Oito mitos ridículos sobre consumo de carne


Por Henrique Autran,

A CARNE É NOSSO ALIMENTO ANCESTRAL

Os registros do consumo de carne por nossos ancestrais são bem evidentes nos diversos sítios arqueológicos e se reflete nas populações atuais vivendo em condições primitivas. Diversos relatos de exploradores mostram como a carne era apreciada mesmo em comunidades onde seu consumo era reduzido. Não somente a parte muscular do animal, mas o conteúdo de vísceras e órgãos internos sempre foram considerados fundamentais, fornecendo nutrientes para os humanos.

Tribos indígenas nos EUA tinham rituais no qual os homens ingeriam o intestino dos búfalos abatidos como forma de competição e demonstração de força. Os inuits, esquimós do Canadá, comem suas caças iniciando pelas vísceras e a parte muscular é deixada para os lobos e cachorros, indicando suas preferências que se alinham com o teor nutricional de tais partes.

Os Samburu na África têm sua alimentação baseada em sangue, carne e leite. Curiosamente os guerreiros dessa tribo não consomem alimentos de origem vegetal.

Como um alimento consumido há milhares de anos pode, de repente, se tornar nocivo para a saúde humana? Existem diversos mitos sobre a carne vermelha. Vamos analisar cada um deles.

ANATOMIA COMPARADA DO SISTEMA DIGESTÓRIO

O sistema digestivo de um herbívoro é especializado na extração e metabolismo de vegetais. Para isso ele conta com várias câmaras digestivas, como nos ruminantes, ou um intestino grosso longo, como nos gorilas. Essa necessidade anatômica deriva do armazenamento de bactérias especiais capazes de digerir e metabolizar alimentos de origem vegetal.

Os gorilas (e.g. Gorilla gorilla) são animais com um sistema digestivo que possui 25% de seu volume no estômago, 14% no intestino delgado, 7% no ceco e 53% no intestino grosso. Tal distribuição de volume se justifica pela função majoritária do intestino grosso na digestão desses animais. Ele possui uma grande quantidade de bactérias fermentadoras responsáveis pela verdadeira digestão dos vegetais ingeridos além da capacidade absortiva.

Já o ser humano (Homo sapiens) possui uma distribuição diferente. O sistema digestivo é composto por um estômago que perfaz 17% do volume, um intestino delgado bem desenvolvido (67% do volume), um intestino grosso contribuindo apenas com 17% e um ceco desprezível. Tal distribuição evidencia a extrema importância do intestino delgado para a digestão, sendo ele responsável pela maior parte do processo digestivo e absortivo.

Figura 1 – Ilustração evidenciando a diferença e semelhança em escala de tamanho dos sistemas digestórios de vários animais. (Extraído de Furness, 2015).

Vale a pena ressaltar que a digestão na espécie humana é feita por enzimas produzidas pelo próprio organismo (autodigestão) enquanto nos gorilas, a digestão é feita pelas enzimas produzidas pelas bactérias presentes no intestino grosso.

O intestino delgado nos humanos é bem reduzido em bactérias, sendo a microbiota mais desenvolvida no intestino grosso. Inclusive, o aparecimento de bactérias em excesso no intestino delgado é uma das características da patologia chamada SIBO (Small Intestine Bacterial Overgrowth) que pode estar relacionada a Síndrome do Intestino Irritável. Diferente do intestino grosso dos gorilas, o intestino grosso dos humanos tem uma capacidade absortiva inexistente.

Dada a diferença anatômica e fisiológica entre o sistema digestivo dos herbívoros, como o gorila e do ser humano, e usando o raciocínio evolutivo, conclui-se que a alimentação ideal para o Homo sapiens é bem diferente da alimentação exclusiva em vegetais do gorila.

MITO 1: CARNE APODRECE NO INTESTINO

O que acontece quando a carne é ingerida é que ela é quebrada no estômago devido aos ácidos e enzimas. No intestino delgado, as proteínas são digeridas em aminoácidos e as gorduras em ácidos graxos. Depois disso, esses constituintes são absorvidos e chegam ao sangue. Não há nada que fique apodrecendo. Se você quer saber o que fica apodrecendo no seu intestino é a Matéria Vegetal (Fibras).

Nós não possuímos enzimas para quebrar as fibras. É por isso que elas vão até o cólon. Lá elas são fermentadas (apodrecem) pelas bactérias amigáveis do intestino grosso que as transformam em nutrientes como ácidos graxos de cadeia curta.

MITO 2: CARNE VERMELHA É RICA EM GORDURA SATURADA E COLESTEROL

Esse argumento é infundado porque a Ciência mais atual mostra que tanto a Gordura Saturada quanto o Colesterol não são perigosos.

Apesar de ser visto como algo amedrontador, o colesterol é uma molécula vital para o corpo. É encontrado em todas as membranas celulares e usado na fabricação de hormônios. O fígado produz grandes quantidades para ter certeza de que sempre temos o suficiente.

Quando ingerimos muito colesterol na dieta, o fígado produz menos, então a quantidade total não muda. De fato, em cerca de 70% Das pessoas o colesterol na dieta tem efeitos mínimos no colesterol no sangue.

Nos outros 30% (chamados de HyperResponders) há uma pequena elevação do LDL, mas o HDL (protetor) também aumenta. A mesma coisa vale para a Gordura Saturada, que também aumenta o HDL.

Mesmo quando esses dois componentes da carne causam pequenas elevações no LDL, isso não é problema porque as lipoproteínas são transformadas de pequenas e densas (perigosas) em grandes, o que é protetor.

Dessa forma, não é surpresa ver em estudos populacionais com centenas de milhares de pessoas que o consumo de gordura saturada e colesterol não estão associados a doenças cardiovasculares. Na verdade, alguns estudos mostram que eles estão ligados a menor incidência de derrames!

Quando ensaios clínicos randomizados foram feitos trocando gordura saturada por polinsaturada (óleos vegetais) que baixam colesterol, o risco de vida aumentou! Se observarmos a imagem, vamos ver que, enquanto o consumo de gordura animal (linhas azul e laranja) diminuiu, o consumo de óleos vegetais e seus derivados aumentou assustadoramente.

Figura 2 – Gorduras e óleos adicionados disponíveis por pessoa nos EUA de 1909 a 2019 (Extraído de Lee, 2021).

MITO 3: CARNE CAUSA DOENÇAS E DIABETES TIPO 2

A Carne é sempre condenada pelas doenças ocidentais como as cardiovasculares e o Diabetes tipo 2 (D2T). As doenças cardiovasculares não eram um problema antes do século XX e D2T até algumas décadas atrás. São doenças novas, mas carne é um alimento antigo. Humanos e pré-humanos têm comido carne por milhões de anos. Culpar uma comida ancestral por doenças novas não faz sentido.

Felizmente, nós temos dois grandes estudos para resolver isso. Um deles, massivo, publicado em 2010, envolveu mais de 1 milhão de pessoas. Não foi encontrado nenhum link entre carne não processada e essas doenças. O outro, incluiu quase 500 mil pessoas e também não encontrou associação.

Esses estudos, no entanto, verificaram um aumento do risco para pessoas que comem carne processada. Então é muito importante fazer essa distinção entre os diferentes tipos de carne.

MITO 4: CARNE VERMELHA CAUSA CÂNCER

Esse é outra crença comum. É verdade que a carne processada está associada com aumento nos riscos de câncer, especialmente cólon. Mas as carnes não processadas não têm essa associação tão clara.

Os estudos mostram que a associação entre carne vermelha e câncer é muito fraca e inexistente em mulheres. Mas parece que a forma como você cozinha pode influenciar nos efeitos da carne. Vários estudos mostram que uma carne bem passada pode formar compostos como Aminas Heterociclicas e Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos que mostraram-se cancerígenos em animais.

Mas é fácil prevenir que isso aconteça. Escolha métodos mais suaves de cozimento, evite queimar ou tostar a carne. Então a resposta não é evitar a carne, só ter certeza de não queimá-la. Mantenha em mente que aquecer demais pode criar muitos compostos insalubres em outros alimentos também. Isso não é apenas na carne.

Em um conjunto de metanálises publicadas pelo periódico Annals of Internal Medicine, os pesquisadores concluíram que a associação de carne com câncer é baixa ou não existente e não justifica reduzir seu consumo.

MITO 5: HUMANOS SÃO NATURALMENTE HERBÍVOROS E NÃO FORAM “CRIADOS” PARA COMER CARNE

Isso é completamente falso. Humanos e préhumanos têm comido carne por muito tempo e nossos corpos são bem adaptados a isso. Nosso sistema digestivo não lembra quase nada o dos herbívoros. Nós temos cólons curtos, intestinos delgados longos e muito ácido clorídrico no estômago para ajudar a quebrar proteína animal. O comprimento de diferentes partes de nosso sistema digestivo está entre o comprimento de carnívoros e herbívoros, indicando que somos onívoros.

Isso sem contar que o consumo de alimentos de origem animal ajudou a direcionar a evolução de cérebros maiores o que nos coloca a parte de qualquer animal na Terra.

Figura 3 – Ilustração mostrando o crânio de primatas comparados aos dos espécimes do gênero Homo.

MITO 6: CARNE É RUIM PARA SEUS OSSOS

A Teoria é assim: nós comemos proteína, o que aumenta a carga de acidez no corpo. Então o corpo move o cálcio dos ossos para o sangue para neutralizar esse ácido.

Existe, de fato, alguns estudos que dão suporte a isso. Aumentar a ingestão protéica pode levar a uma maior perda óssea. No entanto, esse efeito de curto prazo não é persistente pois os estudos de longo prazo mostram que a proteína tem, na verdade, efeitos benéficos sobre a saúde óssea.

Existe evidência muito forte que uma dieta de alta proteína está ligada a melhoria da densidade dos ossos e menor risco de osteoporose e fraturas na terceira idade. Esse é um grande exemplo de que seguir cegamente o senso comum na Nutrição irá levar exatamente ao resultado oposto.

MITO 7: CARNE É DESNECESSÁRIA

Pode ser até verdade que podemos encontrar nutrientes presentes na carne em outras fontes. Mas por que podemos SOBREVIVER sem ela, isso não significa que devemos. Para PROSPERAR precisamos da carne. Ela é rica em Vitamina B12, Creatina, Carnosina e várias outras vitaminas lipossolúveis que veganos e vegetarianos normalmente são deficientes.

Alimentos integrais como a carne contém muito mais do que apenas as vitaminas e minerais básicos que todos nós conhecemos. Existem literalmente milhares de nutrientes traços que a Ciência ainda está tentando identificar. O fato é, humanos evoluíram comendo carne e a evolução desenhou nossos corpos com base nesses nutrientes. Eles são uma parte essencial desse imenso e complexo Quebra Cabeças.

Podemos viver sem carne? Claro... mas não teríamos ótima saúde sem todos os nutrientes que a natureza nos fornece com ela. Embora consigamos sobreviver sem carne, a mesma coisa poderia ser dita sobre outros grupos alimentares, incluindo frutas, vegetais, legumes, peixe, ovos, etc. Nós simplesmente comemos mais de outras coisas.

Carne de qualidade está bem próxima de ser o alimento perfeito para humanos. Ela contém a maioria dos nutrientes que precisamos. Existe até um estudo na literatura onde 2 pessoas comeram apenas carne por 1 ano e mantiveram excelente saúde.

Claro que nem toda carne é igual. As melhores carnes vem de animais de pasto, alimentados com o tipo de alimento que encontrariam na Natureza.

MITO 8: CARNE VAI TE DEIXAR GORDO

Isso parece fazer sentido na superfície porque a carne é rica em gordura e calorias. No entanto, carne também é uma das fontes de proteína mais biodisponível. Proteína é o nutriente mais amigável para a perda de peso, de longe.

Existem estudos também que mostram que se você aumentar seu consumo de proteína, você automaticamente começa a consumir menos de outros alimentos.

Comer mais proteína também tende a ajudar no ganho de massa magra. Músculos são metabolicamente ativos e queimam calorias o dia inteiro. Então, quanto mais carne você comer, menos de outros alimentos ira ingerir tornando a perda de peso mais fácil.


Henrique Autran Nutricionista e Professor. Acredita no poder da Nutrição Ancestral e trabalha para retomar uma alimentação com maior adequação biológica alinhada com nossa fisiologia e evolução. Mestrando em Ciências Médicas. Criador do movimento Rebelião Saudável. Host do Podcast Rebelião Saudável, um dos mais ouvidos do Brasil na área de saúde. Idealizador da Jornada Rebelião Saudável, o maior evento online sobre nutrição e saúde em língua portuguesa.

Fonte: https://bit.ly/3Q54KDM

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