Por que os humanos matam animais e por que não podemos evitar isso

Ao longo da história da humanidade, a morte de animais pelas mãos humanas sempre foi uma prática onipresente. Embora essa realidade tenha acompanhado todas as civilizações, na sociedade contemporânea ela se tornou um tema cada vez mais controverso e alvo de críticas em diversas esferas culturais, sociais e éticas. O artigo Why humans kill animals and why we cannot avoid it, publicado no periódico Science of The Total Environment, realiza uma ampla revisão dos motivos que levam os humanos a matar animais e argumenta que, em termos ecológicos, essa prática é inescapável.

Uma presença histórica e inevitável

Desde os tempos pré-históricos, os seres humanos matam animais para garantir sua subsistência, seja pela obtenção direta de alimento ou pela competição indireta por recursos. Esse comportamento não se restringe apenas a ações deliberadas, mas inclui também consequências indiretas da agricultura, urbanização e industrialização. O artigo destaca que qualquer forma de subsistência humana está inserida em um contexto ecológico no qual os seres humanos ocupam, inevitavelmente, o topo da cadeia alimentar global.

Dez razões pelas quais humanos matam animais

Os autores do estudo classificaram as principais razões que levam os humanos a matar animais em dez categorias amplas:

  1. Coleta e aquisição de alimentos em ambientes selvagens: caçadas e pescarias representam formas ancestrais e contínuas de obtenção de alimento. Mesmo estilos de vida baseados em vegetais não eliminam o impacto, pois a produção agrícola também envolve mortes indiretas de animais.
  2. Saúde e segurança humanas: a eliminação de animais perigosos, como predadores, e o controle de vetores de doenças infecciosas são práticas antigas e persistem como forma de proteger vidas humanas.
  3. Agricultura e aquicultura: a produção de alimentos em grande escala, seja de origem animal ou vegetal, requer frequentemente o controle letal de predadores e competidores que impactam plantações e criações.
  4. Urbanização e industrialização: a construção de cidades, estradas e indústrias elimina habitats naturais e causa mortes em larga escala de animais silvestres, direta ou indiretamente.
  5. Controle de espécies invasoras e superabundantes: medidas para proteger ecossistemas ou espécies ameaçadas frequentemente envolvem a eliminação de populações invasoras ou nativas em excesso.
  6. Conservação de espécies ameaçadas: paradoxalmente, muitos programas de conservação exigem o abate de predadores ou competidores para preservar populações vulneráveis.
  7. Recreação, esporte e entretenimento: caça esportiva e pesca recreativa continuam a representar motivações não alimentares para a morte de animais, frequentemente associadas a tradições culturais ou rituais de passagem.
  8. Misericórdia e compaixão: a eutanásia de animais feridos ou com doenças incuráveis é uma prática comum em contextos veterinários e de manejo da fauna.
  9. Práticas culturais e religiosas: muitos rituais religiosos ou tradições culturais incluem sacrifícios animais, associados a crenças e simbolismos profundamente enraizados em sociedades humanas.
  10. Pesquisa, educação e testes: o uso de animais em experimentos científicos, educação e testes industriais continua a ser necessário para avanços biomédicos e tecnológicos, embora regulado para minimizar danos.

Contexto ecológico e inevitabilidade

O argumento central do estudo reside no fato de que humanos, como qualquer outra espécie, fazem parte de uma complexa teia alimentar global. Em termos ecológicos e biofísicos, a simples presença humana requer a apropriação de recursos que inevitavelmente afetam outras formas de vida. A Lei da Conservação da Massa sustenta que toda vida depende da transformação de matéria e energia, e evitar a morte de outros seres vivos seria incompatível com a manutenção da própria existência humana.

Embora estilos de vida alternativos — como dietas baseadas exclusivamente em vegetais — possam reduzir algumas formas de mortes diretas de animais, eles não eliminam a mortalidade indireta causada pela agricultura, perda de habitat, competição por recursos e manejo da fauna. Além disso, o estudo ressalta que mesmo esforços para alcançar uma “coexistência pacífica” com outras espécies acabam por incluir ações que, direta ou indiretamente, resultam em mortes animais.

Conclusão: foco em bem-estar e sustentabilidade

Diante desse cenário, os autores sugerem que os debates filosóficos e éticos centrados na dicotomia "matar ou não matar" tendem a ser infrutíferos. Em vez disso, defendem uma mudança de foco: da simples proibição da morte de animais para a discussão sobre quando e como essa morte deve ocorrer, priorizando o bem-estar animal e a sustentabilidade ambiental.

Essa abordagem pragmática reconhece que os seres humanos continuarão a impactar outras espécies, mas propõe que as práticas de manejo animal sejam constantemente aprimoradas para reduzir sofrimento e danos desnecessários. Exemplos incluem métodos mais humanitários de abate, técnicas de controle populacional baseadas em evidências científicas e políticas urbanas e agrícolas que minimizem impactos ecológicos.

Ao final, o estudo enfatiza que aceitar a posição humana como parte integrante e inevitável da teia ecológica global é essencial para avançar discussões construtivas. Essa aceitação pode gerar melhores práticas, promover o bem-estar de animais domesticados e selvagens e contribuir para a preservação de ecossistemas ameaçados.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2023.165283

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