A obesidade representa hoje um dos maiores desafios de saúde pública mundial, afetando aproximadamente 13% da população adulta em 2016, com projeções indicando que a maioria da população poderá ser obesa até 2030. Esta condição, definida pela Organização Mundial da Saúde como um índice de massa corporal igual ou superior a 30 kg/m², está associada a diversas comorbidades graves, incluindo doenças cardiovasculares, hipercolesterolemia, hipertensão e depressão.
A Dieta Cetogênica de Muito Baixa Caloria (VLCKD)
Pesquisadores têm investigado estratégias nutricionais para o tratamento da obesidade, sendo a dieta cetogênica de muito baixa caloria (VLCKD) uma das abordagens mais promissoras. Esta dieta é caracterizada por uma ingestão calórica inferior a 800 kcal/dia, distribuída em menos de 50 g/dia de carboidratos (13%), 1 a 1,5 g de proteína por kg de peso corporal (44%) e 43% de gordura.
A VLCKD funciona através da restrição severa de carboidratos, forçando o organismo a mudar sua fonte de energia da glicose para os corpos cetônicos. Durante esse processo, chamado cetogênese, os triglicerídeos são hidrolisados em ácidos graxos, que são posteriormente convertidos em corpos cetônicos - acetona, acetoacetato e 3-hidroxibutirato. Estudos clínicos têm demonstrado consistentemente efeitos benéficos da VLCKD em diversas condições, incluindo insuficiência cardíaca, esquizofrenia, esclerose múltipla, doença de Parkinson e, especificamente, obesidade.
Microbiota Intestinal e Obesidade
A microbiota intestinal humana é composta principalmente pelos filos Firmicutes e Bacteroidetes, seguidos por Proteobacteria e Actinobacteria. Pesquisas têm revelado que alterações na composição da microbiota intestinal não são apenas uma consequência da obesidade, mas podem contribuir ativamente para sua fisiopatologia.
Estudos em modelos animais demonstraram que a colonização de camundongos livres de germes com microbiota associada à obesidade levou ao aumento da deposição de gordura e da gordura corporal total. Em humanos, pesquisadores identificaram diferenças significativas na diversidade da microbiota intestinal entre indivíduos obesos e com peso normal, com os primeiros apresentando menor diversidade microbiana.
Impacto da VLCKD na Microbiota
As pesquisas sobre os efeitos da VLCKD na microbiota intestinal de pessoas com obesidade têm revelado resultados promissores. Um estudo com 33 adultos obesos mostrou que a VLCKD não apenas promoveu perda de peso significativa, mas também restaurou a homeostase da microbiota após a disbiose associada à obesidade.
Os achados indicaram aumento na abundância dos gêneros Butyricimonas e Oscillospira. O Oscillospira, pertencente ao filo Firmicutes, tem sido positivamente associado ao colesterol de alta densidade, butirato, magreza e saúde humana. Já o gênero Butyricimonas (filo Bacteroidetes) tem sido correlacionado positivamente ao metabolismo energético, promovendo a homeostase entre microbiota e hospedeiro.
Outro estudo com 48 indivíduos obesos divididos em três grupos de VLCKD com diferentes fontes proteicas mostrou que todos os grupos apresentaram redução significativa na massa gorda total, peso corporal, colesterol total e de baixa densidade, índice de massa corporal, triglicerídeos e circunferência da cintura, coxa e quadril.
Mecanismos de Ação
A VLCKD envolve privação de carboidratos, o que está associado à diminuição da glicólise e aumento da lipólise, glicogenólise e gliconeogênese para geração de energia. Durante a lipólise, corpos cetônicos são gerados e utilizados como fonte de energia, sendo mais eficientes que a glicose devido aos efeitos metabólicos da cetose.
As bactérias da microbiota produzem uma ampla gama de metabólitos, como ácidos graxos de cadeia curta, serotonina e óxido nítrico. Estes compostos, baseados em sua similaridade de estrutura química, podem se ligar a receptores de células hospedeiras e desencadear sinalização hormonal.
Comparação com Outras Dietas
Quando comparada a outras intervenções nutricionais, a VLCKD demonstrou vantagens específicas. Pesquisadores compararam os efeitos de uma dieta mediterrânea e uma VLCKD, encontrando que apenas a VLCKD teve impacto estatisticamente significativo na microbiota intestinal, promovendo a abundância de bactérias associadas à magreza, como a Akkermansia muciniphila.
Perspectivas Futuras
Embora as evidências sejam promissoras, pesquisadores reconhecem que os caminhos moleculares, o papel dos metabólitos e como a modulação da microbiota pode ser benéfica permanecem pouco claros, necessitando de mais pesquisas. O desenvolvimento da metagenômica permitiu caracterizar o microbioma individual, os metabólitos produzidos e suas vias relacionadas, informações vitais para entender a associação entre microbiota e saúde do hospedeiro.
A VLCKD representa uma alternativa eficaz para perda de peso no manejo da obesidade. As pesquisas demonstram que a VLCKD pode melhorar significativamente a homeostase da microbiota, promovendo a abundância de bactérias associadas à boa saúde. Esta abordagem nutricional não apenas contribui para a redução do peso corporal, mas também pode restaurar o equilíbrio microbiano intestinal, oferecendo benefícios abrangentes para a saúde metabólica.
Fonte: https://doi.org/10.3390/nu15122728