No ano de 1930, a Oregon Agricultural Experiment Station publicou um boletim técnico detalhado com instruções sobre como engordar porcos da forma mais eficiente possível para o mercado. Intitulado Fattening Pigs for Market, o documento descreve, com base em testes de campo e medições rigorosas, quais alimentos, proporções e métodos garantem o maior ganho de peso no menor tempo.
Quase cem anos depois, vivemos uma epidemia global de obesidade. E, ironicamente, a dieta que mais engorda humanos hoje é quase idêntica à que foi projetada para engordar porcos rapidamente. A semelhança não é apenas conceitual. Trata-se de composição nutricional, textura, palatabilidade e densidade calórica — os mesmos alimentos, os mesmos efeitos fisiológicos.
Essa comparação não é metafórica: porcos possuem grande semelhança fisiológica com humanos, tanto em estrutura digestiva quanto no perfil metabólico, razão pela qual são frequentemente utilizados em estudos biomédicos e pesquisas de nutrição experimental. Suas respostas à dieta, ao ganho de gordura corporal, à insulina, aos hormônios da fome e à inflamação metabólica são altamente comparáveis às dos seres humanos.
A dieta ideal para engorda de suínos
Segundo o boletim da Estação Experimental de Oregon, os elementos centrais da dieta de engorda suína são:
- Grãos refinados moídos, como cevada, milho e trigo.
- Farelos de trigo (shorts, middlings), adicionados até o limite de tolerância da fibra.
- Fontes proteicas concentradas como farinha de carne (tankage), farinha de peixe e leite desnatado.
- Alimentos com baixa fibra e alta palatabilidade.
- Livre acesso ao alimento (self-feeding).
A lógica era simples: quanto mais fácil de digerir, mais energia o porco absorve. Quanto mais saboroso e acessível, mais o porco come. Quanto menor o teor de fibra e maior a densidade energética, mais rápido o acúmulo de gordura.
Agora compare com a alimentação humana moderna
Hoje, a dieta típica ocidental (em especial nos países desenvolvidos e em parte da população urbana global) é baseada em:
- Farinhas refinadas (trigo branco, milho processado, arroz polido).
- Ultraprocessados ricos em carboidratos e gorduras vegetais.
- Alimentos hiperpalatáveis: salgadinhos, doces, fast food.
- Bebidas calóricas e pobres em fibras: refrigerantes, sucos industrializados.
- Consumo sem restrição de horários e sem saciedade verdadeira.
Se fizermos um paralelo direto entre a ração para engorda de porcos e a dieta humana moderna, o quadro fica assim:
Elemento | Ração de engorda de porcos (1930) | Dieta humana moderna |
---|---|---|
Base alimentar | Grãos moídos (cevada, milho, trigo) | Pão branco, massas, cereais matinais |
Teor de fibra | Reduzido ao mínimo (<5,5%) | Baixo, especialmente em ultraprocessados |
Tipo de proteína | Animal ou vegetal refinada (ex: tankage, soja) | Processados cárneos, leite desnatado, soja texturizada |
Suplementação alimentar | Vitaminas, minerais, proteína concentrada | Suplementos alimentares, fortificação industrial |
Acesso ao alimento | Ad libitum via comedouro automático | Livre acesso a snacks, delivery 24h |
Objetivo final | Engorda rápida para abate | Obesidade involuntária crônica |
O que engorda um porco é exatamente o que engorda um ser humano
O documento de 1930 é taxativo ao afirmar que porcos engordam mais quando:
- A ração é moída (ou seja, pré-digerida mecanicamente).
- A fibra é reduzida a níveis mínimos.
- A densidade calórica é elevada.
- A palatabilidade é aumentada.
- O acesso ao alimento é contínuo.
Hoje, os alimentos humanos são desenhados com a mesma lógica:
- Alimentos mastigáveis com mínima resistência (hambúrguer, batata frita, bolachas).
- Teor de fibra quase nulo, substituído por “fibras funcionais” que não promovem saciedade real.
- Alta densidade calórica (pouco volume, muitas calorias).
- Mistura de açúcar, gordura e sal para estimular centros de recompensa.
- Alimentação sem horários, com estímulo constante (propaganda, redes sociais, ambiente alimentar urbano).
A diferença está apenas no nome da espécie: porcos comem essa dieta para engordar e serem vendidos. Humanos comem a mesma dieta sem saber que o desfecho será idêntico — ganho de gordura corporal rápido e persistente.
Por que ignoramos o que a zootecnia já sabe há décadas?
Na criação de suínos, ninguém questiona que a combinação de grãos refinados, proteína concentrada e acesso livre ao alimento engorda o animal. Essa fórmula é usada porque funciona — é cientificamente comprovada.
Por outro lado, no campo da nutrição humana, essas mesmas características dietéticas são vendidas como convenientes, modernas, práticas e, em alguns casos, até saudáveis, desde que venham com slogans como “baixo teor de gordura”, “com vitaminas adicionadas” ou “feito com grãos integrais”.
No entanto, não há diferença metabólica significativa entre suínos e humanos quanto à forma de acumular gordura quando expostos à mesma dieta. Por isso, a analogia não é apenas ilustrativa — é uma realidade fisiológica e bioquímica.
Evidência moderna que confirma o que os fazendeiros sabiam
Estudos contemporâneos demonstram que dietas baseadas em alimentos ultraprocessados, mesmo com controle calórico teórico, induzem:
- Maior ingestão espontânea de calorias (Hall et al., Cell Metabolism, 2019)
- Menor saciedade hormonal (redução de leptina, aumento de grelina)
- Acúmulo preferencial de gordura visceral
- Adaptação metabólica que dificulta a perda de peso posterior
Esses achados coincidem com os princípios estabelecidos nos experimentos suínos da década de 1930.
Conclusão: a dieta que engorda suínos está engordando pessoas
Não se trata de metáfora. A composição dos alimentos que promove engorda em suínos é praticamente idêntica àquela presente nas prateleiras dos supermercados, nas cantinas escolares e nos aplicativos de entrega.
O que foi projetado para transformar um leitão de 90 kg em uma carcaça de 120 kg em 60 dias é hoje oferecido como alimentação cotidiana a crianças, adultos e idosos. E o resultado está diante de nós: epidemia de obesidade, doenças metabólicas, e um sistema de saúde em colapso progressivo.
A única diferença é que, nos porcos, esse processo é controlado, desejado e lucrativo. Nos humanos, é involuntário, destrutivo e amplamente negado.
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