Um estudo clínico conduzido por pesquisadores da Universidade de Copenhague revelou que a simples substituição de carboidratos por gordura na dieta — sem necessidade de cortar calorias — pode promover efeitos metabólicos positivos em poucos dias. Publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, o ensaio clínico randomizado demonstrou que apenas dois dias de dieta com baixo teor de carboidratos e alto teor de gordura (LCHF) foram suficientes para reduzir significativamente a gordura acumulada no fígado e melhorar vários marcadores de saúde metabólica.
Por que isso importa?
O acúmulo de gordura no fígado (esteatose hepática) está fortemente relacionado à resistência à insulina, risco cardiovascular e progressão para doenças hepáticas mais graves. Intervenções capazes de reduzir rapidamente a gordura hepática e melhorar o perfil metabólico são de grande interesse, especialmente para pessoas com sobrepeso ou obesidade.
Metodologia do estudo
Foram incluídos 15 adultos com sobrepeso ou obesidade (IMC entre 25 e 40 kg/m²), sem diabetes e com risco baixo de fibrose hepática. Cada participante passou por três intervenções dietéticas distintas, com duração de dois dias cada:
- CON (dieta controle): padrão alimentar comum da população.
- VLCD (very-low calorie diet): dieta hipocalórica severa com 60g de carboidratos por dia.
- LCHF (low-carb, high-fat): mesma quantidade de carboidratos (60g/dia), mas com energia mantida via aumento de gordura.
Após cada intervenção, foram realizadas medições detalhadas da composição corporal, gordura hepática, glicemia, insulina e perfis lipídicos, em jejum e após refeição padrão.
Resultados positivos da dieta LCHF
1. Redução significativa da gordura hepática
- A dieta LCHF reduziu o conteúdo de gordura no fígado em 16% em apenas 48 horas (p=0,020).
- Isso ocorreu sem perda de peso relevante, indicando que o efeito se deve à modulação dos macronutrientes e não à restrição calórica.
2. Melhora no perfil glicêmico e na sensibilidade à insulina
- A dieta LCHF reduziu a glicemia de jejum (−0,2 mmol/L; p=0,033) e os níveis de insulina (−19%; p=0,022).
- O índice HOMA-IR (resistência insulínica) também caiu significativamente (−17%; p=0,025).
- A taxa de depuração de insulina hepática foi 14% maior, sugerindo melhora na função hepática em relação à insulina.
3. Queda expressiva nos triglicerídeos em jejum
- Os níveis de triglicerídeos plasmáticos caíram em 48% após a LCHF (p<0,001).
- O colesterol da fração VLDL também caiu em 52%, sinalizando redução do risco cardiovascular.
4. Elevação do HDL
- A fração HDL do colesterol aumentou em 8% após a LCHF (p=0,023), reforçando o efeito benéfico sobre o perfil lipídico.
5. Aumento na oxidação de gordura e na produção de corpos cetônicos
- A LCHF promoveu maior uso de gordura como fonte de energia (queda no RER) e aumento nos níveis de beta-hidroxibutirato (+53%; p=0,001).
- Isso indica que o corpo entrou em estado de cetose leve, associado a benefícios metabólicos.
Comparativo com a dieta hipocalórica (VLCD)
Embora a VLCD também tenha promovido redução da insulina, triglicerídeos e HOMA-IR, não reduziu a gordura hepática de forma significativa em 48 horas. Isso sugere que, ao menos no curto prazo, a substituição de carboidratos por gordura pode ser mais eficaz do que simplesmente reduzir calorias, quando o objetivo é melhorar rapidamente a saúde hepática.
Conclusão: gordura no lugar de carboidrato pode ser benéfica — se for com qualidade e controle
O estudo reforça que não é necessário reduzir calorias para obter efeitos metabólicos positivos. Ao manter a ingestão energética e trocar carboidratos por gordura (preferencialmente de boa qualidade), é possível:
- Reduzir a gordura hepática rapidamente
- Melhorar a sensibilidade à insulina
- Corrigir dislipidemias
- Estimular a queima de gordura corporal
Esses resultados fortalecem a evidência em favor de estratégias nutricionais que restringem carboidratos de forma controlada e mantêm o aporte calórico adequado, como dietas cetogênicas bem formuladas ou abordagens low carb isocalóricas. Ainda que os efeitos observados sejam agudos, eles representam um potencial mecanismo terapêutico promissor para a reversão precoce da esteatose hepática e melhora do metabolismo em indivíduos com excesso de peso.