A dieta cetogênica ainda é controversa no tratamento do câncer?


Nos últimos anos, o debate em torno do uso da dieta cetogênica (DC) como abordagem complementar no tratamento do câncer tem ganhado novas nuances. Em 2020, o pesquisador Rainer Johannes Klement já havia abordado o tema em um editorial anterior, apontando para a existência de dois tipos principais de ceticismo: o metodológico — que critica a ausência de estudos clínicos robustos — e o fundamentalista — que rejeita a proposta por considerá-la incompatível com diretrizes convencionais. Cinco anos depois, ele revisita o tema com base em novas evidências.

Principais críticas à dieta cetogênica no câncer

Entre os oncologistas entrevistados em um levantamento canadense, 87% não recomendavam a dieta cetogênica, seja por dúvida quanto à sua eficácia (31%) ou por considerarem os efeitos desconhecidos (69%). Outros pontos de preocupação citados foram:

  • risco de perda de peso e desnutrição;
  • impacto psicológico negativo;
  • efeitos adversos não especificados.

Essas críticas também foram reforçadas por sociedades médicas alemãs que, embora recomendem cautela, não apresentaram alternativas dietéticas concretas.

As evidências científicas mais recentes

Uma nova revisão feita por Klement identificou oito estudos clínicos publicados entre 2020 e 2025, dos quais seis apontam para efeitos antitumorais positivos, mesmo que ainda limitados. Nenhum indicou efeitos pró-tumorais. Os dados mais relevantes incluem:

  • Câncer de próstata: maior tempo médio de duplicação do PSA em grupo com dieta cetogênica.
  • Glioblastoma: maior sobrevida em pacientes que seguiram a dieta por mais de seis meses.
  • Câncer de mama: redução significativa de estadiamento e tamanho do tumor.
  • Câncer retal: maior taxa de resposta tumoral completa em pacientes em dieta cetogênica durante radioterapia.

Além disso, os estudos pré-clínicos reforçam os mecanismos antineoplásicos da dieta cetogênica, como:

  • inibição da glicólise e da via das pentoses;
  • ativação da apoptose;
  • inibição do mTOR;
  • redução de lactato tumoral;
  • efeitos epigenéticos mediados por β-hidroxibutirato;
  • modulação do sistema imune;
  • redução do deutério corporal — um isótopo que pode interferir na função mitocondrial.

A dieta é psicologicamente danosa?

A alegação de que a dieta cetogênica seria restritiva demais e causaria sofrimento psicológico não encontra respaldo sistemático na literatura. Em uma pesquisa com 94 pacientes oncológicos em dietas cetogênicas ou low carb, 67% relataram que seguir a dieta era “fácil” e outros 11% afirmaram ser “muito fácil”. Estudos também sugerem possível melhora na depressão, ansiedade e qualidade de vida, ainda que os dados sejam preliminares.

É reconhecido que a adesão pode ser desafiadora para alguns, mas fatores como preferência por alimentos gordurosos, educação alimentar e suporte profissional fazem diferença. Estratégias como uso de triglicerídeos de cadeia média (MCTs) ou corpos cetônicos exógenos também podem ajudar na adesão.

Perda de peso é sempre ruim?

Apesar de a dieta cetogênica geralmente induzir perda de peso, a questão deve ser analisada com nuance. Estudos mostram que:

  • a perda inicial é, em parte, perda hídrica;
  • a perda de gordura corporal pode ser benéfica em pacientes com sobrepeso;
  • não há indícios de que a dieta leve à desnutrição;
  • em pacientes frágeis ou com caquexia, há estudos indicando preservação de massa muscular com a dieta.

Em um estudo citado por Klement, pacientes que seguiram a dieta cetogênica por mais de 12 meses tiveram sobrevida significativamente maior do que aqueles que a seguiram por menos de 3 meses.

Conclusão do autor

Segundo Klement, afirmar que a dieta cetogênica é ineficaz, causa desnutrição, piora a qualidade de vida ou reduz a sobrevida não é consistente com os dados disponíveis. A evidência clínica ainda é considerada fraca, mas é promissora e crescente. Ele defende que, embora a recomendação generalizada ainda seja prematura, médicos devem estar informados e oferecer suporte a pacientes que decidam seguir essa abordagem por iniciativa própria.

O autor também enfatiza que, quando bem conduzida, a dieta cetogênica é segura, e isso não deveria mais ser considerado controverso.

Fonte: https://doi.org/10.1080/14737140.2025.2522936

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