Investigação da Relação Causal entre Ácidos Graxos Saturados e Acidente Vascular Cerebral: Evidências de Randomização Mendeliana de Duas Amostras


As recomendações nutricionais há décadas estabelecem limites rigorosos para o consumo de ácidos graxos saturados (AGS), principalmente com base em sua associação com doenças cardiovasculares. Porém, a relação entre AGS e acidente vascular cerebral (AVC) permanece controversa. O estudo conduzido por Habibi et al., publicado em 2025 na BMC Nutrition, buscou esclarecer essa questão utilizando um método mais robusto e menos suscetível a viés: a randomização mendeliana.

Contexto e Justificativa

A randomização mendeliana (RM) utiliza variantes genéticas herdadas como instrumentos para investigar relações causais entre fatores de exposição (como a ingestão de AGS) e desfechos clínicos (como AVC). Essa abordagem evita muitas das limitações de estudos observacionais, como confundimento e causalidade reversa.

Estudos anteriores apresentaram resultados contraditórios: enquanto duas meta-análises indicaram que maior ingestão de AGS não se associava significativamente ao risco de AVC, outras duas encontraram uma associação inversa — sugerindo que cada 10g adicionais de AGS por dia poderiam reduzir o risco de AVC em até 6%. Por outro lado, um estudo baseado em biomarcadores sanguíneos apontou aumento do risco com concentrações mais altas de AGS circulantes.

Diante dessa incongruência, os autores utilizaram dados genéticos de larga escala para avaliar a associação causal entre AGS séricos e AVC.

Metodologia

O estudo utilizou dados do projeto IEU OpenGWAS. As informações sobre AGS derivaram de uma amostra de 64.979 indivíduos de ascendência europeia. Já os dados sobre AVC vieram do UK Biobank, com 7.055 casos de AVC e 454.825 controles.

Foram conduzidas duas abordagens estatísticas principais:

  • GSMR (Randomização Mendeliana com Sumários Generalizados)
  • TSMR (Randomização Mendeliana com Duas Amostras)

Diversas técnicas analíticas foram aplicadas, incluindo:

  • Método de variância inversa ponderada (IVW)
  • Regressão MR-Egger
  • Mediana ponderada
  • MR-PRESSO e RadialMR (para identificar efeitos pleiotrópicos)

Resultados

Os principais achados foram consistentes entre as diversas análises:

  • GSMR: OR = 1,002 (IC95%: 0,995–1,009; p = 0,752)
  • TSMR (IVW): OR = 1,005 (IC95%: 0,998–1,012; p = 0,169)
  • MR-Egger: OR = 1,001 (IC95%: 0,97–1,03; p = 0,97)

Todas as estimativas indicaram ausência de significância estatística. Os testes de heterogeneidade e pleiotropia também não mostraram distorções relevantes nos dados.

Mesmo após a exclusão de variantes genéticas identificadas como potenciais outliers, os resultados permaneceram robustos.

Discussão

Este estudo é o primeiro a empregar randomização mendeliana para avaliar a relação entre AGS totais e AVC. Os autores concluíram que não há evidência causal significativa entre níveis mais altos de AGS e risco de AVC.

Os autores reconhecem que fatores como o comprimento da cadeia dos AGS, a origem alimentar (lácteos vs. carnes), e o tipo de nutriente que substitui os AGS (carboidratos refinados, proteínas ou gorduras insaturadas) influenciam os efeitos metabólicos e cardiovasculares.

Estudos anteriores mostraram que substituir AGS por carboidratos de alto índice glicêmico ou proteínas animais pode aumentar o risco cardiovascular, enquanto a substituição por proteínas vegetais ou gorduras insaturadas pode reduzir esse risco.

Além disso, as evidências sobre os efeitos dos AGS no perfil lipídico também são mistas: enquanto AGS de cadeia longa (como ácido palmítico) elevam LDL-c, os de cadeia média (como ácido láurico) aumentam HDL-c e reduzem triglicerídeos, podendo melhorar o perfil lipídico global.

Essa dualidade fisiológica pode explicar por que o efeito global dos AGS sobre o AVC não se mostrou significativo nesta análise genética.

Conclusão

A análise genética robusta conduzida por Habibi et al. reforça que não há relação causal clara entre ácidos graxos saturados totais e risco de AVC. As diretrizes alimentares que recomendam a redução de AGS devem considerar, além da quantidade total, os tipos de AGS, suas fontes alimentares e os nutrientes que os substituem. O estudo destaca também a necessidade de novas pesquisas que analisem o impacto dos diferentes tipos de AGS em contextos alimentares variados, incluindo ensaios clínicos randomizados com maior representatividade populacional.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s40795-025-01094-2

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