Extermínio Levantino: 1,5 milhões de anos caçando até reduzir a distribuição de tamanho corporal


Ao longo de aproximadamente 1,5 milhão de anos, desde a chegada dos primeiros hominídeos até o início da agricultura, o registro arqueológico do Levante Sul revela um declínio progressivo no tamanho médio dos animais caçados pelos seres humanos. Este fenômeno, examinado detalhadamente por Dembitzer e colaboradores no artigo publicado na Quaternary Science Reviews, permite compreender, a partir de dados robustos, como as populações humanas moldaram ecossistemas inteiros muito antes da Revolução Neolítica.

Contexto e objetivo do estudo

O Pleistoceno foi um período marcado por extinções seletivas, nas quais os animais de grande porte foram desproporcionalmente afetados. Tradicionalmente, atribuiu-se essas extinções a alterações climáticas drásticas ou ao impacto direto da caça promovida por Homo sapiens. A maior parte da pesquisa até então se concentrava no final do Pleistoceno e no início do Holoceno. O estudo de Dembitzer et al., entretanto, analisou uma série temporal mais extensa e abrangente, concentrando-se no Levante, uma região que oferece um registro arqueológico contínuo e excepcionalmente detalhado desde cerca de 1,5 milhão de anos atrás.

Metodologia rigorosa e abrangente

Os autores coletaram dados publicados de 133 camadas estratigráficas em 58 sítios arqueológicos, considerando a abundância relativa de diferentes espécies e seus respectivos pesos corporais. O foco recaiu sobre animais com peso superior a 400g, dado que espécies muito pequenas raramente faziam parte da dieta humana da época.

As análises utilizaram regressões lineares e modelos mistos para determinar a relação entre o tempo, variáveis paleoambientais (temperatura global, paleoprecipitação e vegetação C3/C4) e a massa corporal média ponderada dos animais encontrados em cada camada. Também foram avaliadas possíveis diferenças relacionadas ao tipo de sítio (cavernas, abrigos rochosos, sítios a céu aberto) e às linhagens humanas ocupantes.

Principais resultados

Os dados indicaram uma tendência clara: o tamanho médio dos animais caçados declinou de maneira contínua e log-linear ao longo de 1,5 milhão de anos. Enquanto, no início desse período, as presas médias pesavam cerca de 500 kg, ao final do Pleistoceno elas representavam apenas 1,7% desse peso.

Este declínio ocorreu independentemente de variações climáticas, já que nem as temperaturas globais nem as mudanças rápidas de temperatura entre períodos consecutivos apresentaram correlação significativa com a redução do tamanho médio das presas. A análise de dados paleoambientais locais reforçou esta constatação: a paleoprecipitação e a vegetação exerceram, no máximo, influência marginal.

Outra constatação importante foi a relação entre a mudança de linhagens humanas e a redução no tamanho das presas. A cada transição — de Homo erectus para H. neanderthalensis e depois para Homo sapiens — houve um salto para presas significativamente menores. Isso sugere que os novos grupos humanos passaram a caçar os animais maiores até levá-los à escassez, e então passaram a explorar espécies menores, num padrão que lembra o fenômeno moderno conhecido como fishing down the food web.

Além disso, o estudo observou que, à medida que os animais maiores desapareciam, as estratégias tecnológicas e culturais humanas se adaptavam: ferramentas e táticas mais sofisticadas surgiam para permitir a caça eficiente de animais menores e mais ágeis.

Implicações para a compreensão da evolução humana e da fauna

Esse padrão de exploração progressiva dos maiores animais reflete uma pressão predatória constante e cumulativa, que antecede a chegada de Homo sapiens ao Levante e sugere que os hominídeos anteriores já exerciam impacto profundo sobre as populações de megafauna.

O fato de os registros arqueológicos indicarem um declínio constante do tamanho corporal médio das presas, mesmo em face de ciclos climáticos interglaciais e glaciais, reforça a hipótese de que o fator predominante foi a ação humana, e não o ambiente.

Essa tendência, que culminou no desaparecimento das megafaunas da região e obrigou adaptações tecnológicas e culturais significativas, também levanta questões sobre a sustentabilidade das pressões humanas sobre grandes animais em escalas temporais muito longas, um tema atual quando se discute a conservação da biodiversidade.

Conclusão

O trabalho de Dembitzer et al. revela que a humanidade começou a modificar a estrutura da fauna muito antes da domesticação e da agricultura, caçando seletivamente as maiores espécies até esgotá-las e passando, sucessivamente, a caçar animais de porte menor. Essa trajetória não foi episódica ou recente, mas uma tendência constante de longa duração que marcou o próprio curso da evolução cultural e tecnológica humana.

Esta pesquisa contribui para um entendimento mais profundo da relação entre humanos e megafauna, desafiando a ideia de uma coexistência harmônica pré-histórica e evidenciando a longa história de pressões antrópicas sobre os ecossistemas.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2021.107316

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