Desde tempos remotos, antropólogos e nutricionistas vêm se interessando pelos padrões alimentares dos povos menos ocidentalizados e reconhecendo que as dietas dos caçadores-coletores podem oferecer um referencial para a nutrição humana contemporânea e até mesmo um modelo protetor contra as chamadas doenças da civilização. Como o modo de vida caçador-coletor puro praticamente desapareceu, os estudos atuais precisam reconstruir indiretamente como seria a dieta dos humanos antes da agricultura.
Esse estudo, conduzido por Loren Cordain e colaboradores, procurou estimar a composição macronutricional das dietas de caçadores-coletores ao redor do mundo, utilizando dados etnográficos detalhados para entender a dependência econômica desses povos em relação a alimentos de origem vegetal e animal.
Contexto e metodologia
A base de dados utilizada foi o Ethnographic Atlas, um compêndio que reúne informações etnográficas de 1.267 sociedades ao redor do globo. Entre essas, 229 sociedades foram classificadas como caçadoras-coletoras, pois dependiam integralmente da caça, pesca e coleta para sua subsistência. O estudo avaliou a proporção relativa entre alimentos vegetais e animais na dieta desses grupos e, a partir disso, projetou as estimativas de ingestão calórica proveniente de proteínas, gorduras e carboidratos.
Os pesquisadores consideraram a energia média fornecida pelos alimentos vegetais e animais silvestres e analisaram como variáveis como teor de gordura dos animais abatidos influenciariam essas proporções.
Resultados principais
Os dados revelaram que a dependência de alimentos de origem animal foi predominante entre os caçadores-coletores:
- 73% das sociedades derivavam mais de 50% da sua subsistência de alimentos animais (caça e pesca).
- Apenas 14% dependiam mais de 50% de plantas coletadas.
- Nenhuma sociedade dependia exclusivamente de plantas (86–100% de subsistência), mas 20% dependiam fortemente de alimentos animais (86–100% da dieta).
O estudo também apontou que a dependência de plantas diminui drasticamente com o aumento da latitude, enquanto a dependência de peixes cresce em regiões mais frias, refletindo adaptações ecológicas.
Em termos de macronutrientes, as dietas dos caçadores-coletores apresentavam características muito distintas dos padrões dietéticos modernos:
- Proteínas: 19–35% do total energético
- Gorduras: 28–58% do total energético
- Carboidratos: 22–40% do total energético
Ou seja, as dietas tradicionais eram ricas em proteínas e gorduras e relativamente pobres em carboidratos, contrastando fortemente com as dietas modernas ocidentais, onde os carboidratos predominam.
O estudo destacou um importante limite fisiológico: mesmo em populações que consumiam grandes volumes de carne magra, a ingestão de proteínas dificilmente excederia 35–40% do total energético, devido à capacidade limitada do fígado humano de converter o excesso de nitrogênio da proteína em ureia. Quando a carne era magra demais (baixo teor de gordura), os caçadores precisavam compensar consumindo partes mais gordas dos animais, priorizando espécies maiores (que tendem a ter maior teor de gordura) ou aumentando o consumo de alimentos vegetais ricos em energia.
Implicações
Essas descobertas têm implicações importantes para a compreensão da evolução da dieta humana e dos padrões alimentares aos quais nossa fisiologia se adaptou. Segundo os autores, os caçadores-coletores viviam livres de muitas das doenças crônicas que afligem as populações modernas — um fenômeno que pode estar, ao menos em parte, relacionado à composição macronutricional de suas dietas.
Além disso, o estudo sugere que a composição atual da dieta ocidental — caracterizada por uma alta ingestão de carboidratos (particularmente de grãos refinados, óleos vegetais e açúcares), relativamente pouca proteína e tipos de gordura diferentes daquelas encontradas em alimentos animais silvestres — difere profundamente da dieta ancestral.
Considerações finais
Embora o estudo reconheça limitações — como a dependência de dados etnográficos qualitativos e a necessidade de estimativas indiretas — ele fornece um panorama robusto e detalhado da dieta que moldou a fisiologia humana durante quase toda nossa história evolutiva.
Essas informações contribuem para o debate atual sobre padrões alimentares mais compatíveis com nossa biologia e com a prevenção de doenças crônicas contemporâneas, apontando que a alimentação ancestral era fortemente baseada em alimentos de origem animal, com proteínas e gorduras como fontes predominantes de energia e um consumo significativamente menor de carboidratos em comparação com as dietas modernas.
