Por décadas, a soja tem sido promovida como um alimento funcional, supostamente benéfico para a saúde cardiovascular e hormonal. No entanto, o estudo conduzido por Ishizuki e colaboradores, publicado em 1991 na revista Folia Endocrinologica Japonica, oferece uma análise criteriosa sobre os efeitos da ingestão prolongada de soja na função da tireoide de indivíduos saudáveis — uma questão raramente investigada de forma sistemática.
Contexto e Objetivo do Estudo
A pesquisa partiu de evidências anteriores que sugeriam que compostos presentes na soja, como os goitrogênios, poderiam interferir na função tireoidiana. Casos isolados de hipotireoidismo e bócio em lactentes alimentados com fórmulas à base de soja já haviam sido relatados em humanos, além de dados experimentais em animais.
Com isso, o objetivo do estudo foi verificar se a ingestão de soja em quantidade e duração realistas para o consumo humano comum poderia afetar a função da tireoide em adultos saudáveis, sem histórico de doenças autoimunes ou uso de medicações que interferem na tireoide.
Metodologia
Foram selecionados 37 voluntários saudáveis, divididos em três grupos:
- Grupo 1: 20 adultos receberam 30g/dia de soja (na forma de grãos embebidos em vinagre) por 1 mês.
- Grupos 2 e 3: receberam a mesma quantidade de soja por 3 meses. O grupo 2 era composto por jovens (média de 29 anos) e o grupo 3 por indivíduos mais velhos (média de 61 anos).
Foram avaliados os níveis séricos dos hormônios tireoidianos (T3, T4, FT3, FT4, TSH), iodeto inorgânico, enzimas hepáticas e musculares, além de sintomas clínicos e presença de bócios.
Principais Resultados
Hormônios Tireoidianos
- Os níveis de T3, T4, FT3 e FT4 permaneceram estáveis em todos os grupos, ou seja, não houve hipotireoidismo laboratorial.
- O TSH, por outro lado, aumentou significativamente após o consumo de soja, especialmente no grupo que consumiu soja por 3 meses. Ainda que os valores se mantivessem dentro da faixa de referência, o aumento foi estatisticamente significativo.
TRH e Resposta TSH
- Após estímulo com TRH (hormônio liberador de tireotropina), o grupo de idosos (Grupo 3) apresentou resposta aumentada de TSH, sugerindo uma sensibilidade maior do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide a interferências externas.
Sintomas Clínicos e Bócio
- Sintomas como cansaço, constipação e sonolência surgiram em mais de 50% dos indivíduos que consumiram soja por 3 meses.
- Bócio difuso leve foi observado em cerca da metade dos participantes dos grupos de longa duração, com predomínio nos mais velhos.
- Em todos os casos, os sintomas e o bócio regrediram ou desapareceram após a interrupção da ingestão de soja.
Iodo e Relação com TSH
- A quantidade de iodeto inorgânico no soro não se correlacionou com as alterações em TSH, indicando que o efeito da soja não estava ligado à deficiência de iodo.
- Os autores também observaram que mesmo em indivíduos com ingestão suficiente de iodo (como é o caso da população japonesa), o consumo excessivo de soja ainda assim afetou a tireoide.
Conclusões e Implicações Clínicas
O estudo conclui que mesmo em indivíduos saudáveis, a ingestão contínua de 30g de soja por dia, durante três meses, pode provocar supressão leve da função tireoidiana, especialmente em pessoas mais velhas. Os efeitos incluem aumento de TSH, surgimento de bócio e sintomas compatíveis com hipotireoidismo subclínico.
É importante destacar que essas alterações foram reversíveis com a suspensão da soja, o que reforça seu papel como um agente modificador, mas não permanente, da função tireoidiana.
Considerações Finais
Esse estudo desafia a percepção comum de que a soja seria sempre segura ou benéfica para todas as pessoas. Ainda que não tenha provocado hipotireoidismo franco nos voluntários, a elevação de TSH e o aparecimento de sintomas compatíveis com baixa atividade da tireoide são sinais claros de um impacto fisiológico, que pode ser relevante em populações vulneráveis, como idosos ou pessoas com predisposição a distúrbios tireoidianos.
A avaliação clínica da função tireoidiana deve, portanto, levar em conta o contexto dietético, especialmente em culturas com alta ingestão de soja. Além disso, os achados levantam questões sobre o uso indiscriminado de produtos à base de soja como substitutos de proteínas animais, sem considerar possíveis efeitos adversos em longo prazo.