Vício em açúcar: levando a analogia droga-açúcar ao limite.

A crescente prevalência da obesidade e a dificuldade de controlá-la, apesar de suas graves consequências, levaram pesquisadores a sugerir que o consumo de alimentos hiperpalatáveis — especialmente os ricos em açúcar adicionado — pode ser comparado ao uso de drogas como a cocaína. O artigo "Sugar addiction: pushing the drug-sugar analogy to the limit", publicado na Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care (2013), revisa evidências neurobiológicas e comportamentais que sustentam essa analogia e discute seus limites.

Açúcar e drogas: recompensas comparáveis?

Evidências em humanos mostram que o açúcar e a doçura podem gerar recompensas e desejos comparáveis aos provocados por drogas psicoativas. Apesar das dificuldades em medir e comparar diretamente essas experiências subjetivas, experimentos com animais revelam algo ainda mais impressionante: ratos preferem sacarose ou adoçantes artificiais como a sacarina à cocaína, mesmo após estarem condicionados à droga.

Esse comportamento foi demonstrado em experimentos nos quais roedores, ao escolherem entre cocaína e uma solução doce, optaram majoritariamente pela doçura. Essa preferência persistiu mesmo quando os animais eram previamente expostos à droga. Em termos técnicos, o “ponto de ruptura” — isto é, o esforço máximo que o animal está disposto a realizar para obter a recompensa — foi maior para o açúcar do que para a cocaína em muitos testes.

Mecanismos cerebrais: resistência e robustez

A força dessa preferência se reflete também na neurobiologia. Intervenções que alteram profundamente o comportamento motivado por cocaína — como lesões cerebrais, bloqueio de neurotransmissores como dopamina, serotonina ou glutamato — têm efeito muito menor sobre o comportamento relacionado à sacarose. Entre 91 intervenções testadas, 96,7% afetaram a resposta à cocaína, enquanto apenas 18,7% influenciaram a resposta ao açúcar. Isso sugere que o sistema neural envolvido na recompensa por sacarose é mais robusto, ou seja, menos vulnerável a falhas, provavelmente por ser um sistema evolutivamente mais antigo e crucial à sobrevivência.

O açúcar como substância psicoativa leve

Embora o açúcar não produza efeitos psicotrópicos intensos, como alucinações ou distorções cognitivas, sua ação sobre o humor e o comportamento é amplamente reconhecida. Pessoas relatam consumir doces como forma de aliviar o estresse, melhorar o humor ou obter conforto emocional. Estudos com adolescentes e adultos em risco de depressão mostram que alimentos doces promovem sensações prazerosas e atenuam sentimentos negativos.

Além disso, os mesmos circuitos cerebrais ativados por drogas como nicotina e cocaína são ativados em resposta a alimentos doces, como demonstrado por estudos de neuroimagem. Esse dado é reforçado por pesquisas com fumantes, nas quais a intensidade do desejo por doces era comparável ao desejo de fumar.

Analogias e diferenças com as drogas

Apesar das semelhanças, há diferenças cruciais entre açúcar e drogas. Substâncias como a cocaína atravessam rapidamente a barreira hematoencefálica e atuam diretamente sobre alvos moleculares nos neurônios, como o transportador de dopamina. Já o açúcar atua de forma mais indireta, estimulando receptores gustativos e, posteriormente, provocando respostas metabólicas pós-absortivas.

Por isso, alimentos ricos em açúcar não causam estados mentais alterados como os induzidos por drogas. Não há, por exemplo, perda de julgamento ou descontrole motor após o consumo excessivo de açúcar, e tampouco há consequências legais associadas à sua ingestão.

Implicações para saúde pública

A exposição contínua e o fácil acesso a alimentos ricos em açúcar representam um desafio substancial para a saúde pública. A robustez biológica dos sistemas de recompensa associados ao açúcar pode explicar por que muitas pessoas têm dificuldade em moderar o consumo desses alimentos. Estima-se que 10% a 20% da população apresente sintomas de dependência alimentar — proporção comparável à de usuários de drogas que desenvolvem dependência.

O artigo conclui que, embora o açúcar não cause os danos diretos observados com drogas como a cocaína, ele pode induzir respostas comportamentais e neurobiológicas suficientemente intensas para justificar o debate sobre seu potencial aditivo. A analogia com as drogas serve, portanto, como uma ferramenta útil para compreender a compulsão alimentar e os mecanismos subjacentes à obesidade moderna.

Fonte: https://doi.org/10.1097/mco.0b013e328361c8b8

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