Expansão cerebral em hominídeos precoces previu extinções de carnívoros na África Oriental


A influência humana sobre os ecossistemas naturais é hoje amplamente reconhecida, a ponto de se propor a definição de uma nova época geológica: o Antropoceno. Mas quando, de fato, começou essa influência? A maioria das pesquisas concentra-se no impacto de Homo sapiens sobre megafaunas no final do Pleistoceno e início do Holoceno, mas uma equipe de pesquisadores questionou se efeitos antrópicos não teriam ocorrido muito antes, com hominídeos ancestrais e seus cérebros em expansão.

Este estudo, publicado na revista Ecology Letters, investigou fósseis de carnívoros do Leste Africano ao longo dos últimos quatro milhões de anos para entender se as extinções desses predadores estariam relacionadas ao aumento da capacidade cognitiva dos hominídeos, a mudanças na vegetação ou ao clima.

Logo no início, os dados mostraram que a diversidade de grandes carnívoros (>21 kg) no Leste Africano era muito maior antes do Pleistoceno. Espécies como cães selvagens, grandes felinos, hienas, ursos e outros predadores robustos compartilhavam o ambiente com os ancestrais humanos. Mas à medida que os hominídeos evoluíam, algo começou a mudar.

O tamanho do cérebro dos hominídeos aumentou significativamente nesse período, de menos de 500 cm³ para cerca de 1500 cm³, acompanhando o surgimento de comportamentos e tecnologias mais complexas, como o uso de ferramentas de pedra.

O estudo aplicou métodos estatísticos bayesianos para estimar taxas de extinção de carnívoros e testou hipóteses sobre possíveis causas: variações climáticas, mudanças na cobertura florestal e evolução do cérebro hominídeo. A análise revelou que:

  • As taxas de extinção de grandes carnívoros aumentaram ao longo do tempo e foram melhor explicadas pela expansão cerebral dos hominídeos e, secundariamente, pela redução da cobertura florestal.
  • Não foi encontrada correlação significativa entre as extinções e variáveis climáticas como temperatura, precipitação ou déficit hídrico.
  • Pequenos carnívoros (<21 kg), por outro lado, não apresentaram variação significativa nas taxas de extinção, o que contradiz a hipótese de que mudanças climáticas teriam sido a principal causa.

Para distinguir entre efeitos antrópicos e ecológicos, os pesquisadores também analisaram dados contemporâneos sobre a distribuição de carnívoros na África. Nessas análises espaciais, a influência humana moderna (medida pelo “human footprint”) e a precipitação foram determinantes para a proporção de grandes carnívoros. Com base nisso, eles projetaram como a fração de grandes carnívoros deveria ter evoluído nos últimos milhões de anos caso apenas fatores ambientais estivessem em jogo — e essa projeção indicava estabilidade, enquanto os dados fósseis mostravam declínio constante.

Além disso, não se observou um padrão de declínio similar entre os grandes carnívoros da América do Norte durante o mesmo período, sugerindo que a redução da floresta, um fenômeno global, não poderia explicar isoladamente a perda de predadores no Leste Africano.

O estudo propõe que os hominídeos afetaram a disponibilidade de presas para grandes carnívoros não apenas pela caça direta, mas também pela prática de escavengerismo e cleptoparasitismo — estratégias que exigem menos sofisticação tecnológica e poderiam ter sido empregadas antes do domínio pleno de ferramentas líticas. Inclusive, há evidências etnográficas e paleontológicas de hominídeos roubando carcaças de leões e hienas.

Com o tempo, o aumento da inteligência e da eficiência locomotora dos hominídeos teria levado à caça ativa, intensificando o impacto sobre as cadeias alimentares locais. Esse impacto seletivo sobre os grandes predadores, e não sobre os pequenos, reforça a ideia de um efeito antrópico precoce.

Os autores concluem que a modificação antrópica dos ecossistemas começou muito antes do surgimento de Homo sapiens, envolvendo hominídeos ancestrais que já atuavam como “hiper-espécies-chave”, moldando a biodiversidade da savana africana milhões de anos atrás.

Este trabalho desafia a ideia de que o impacto humano na biodiversidade seja um fenômeno recente e demonstra que as origens da atual crise de biodiversidade podem ser traçadas até as raízes evolutivas do gênero Homo e seus predecessores.

Fonte: https://doi.org/10.1111/ele.13451

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: