Uma dieta rica em gordura e limitada em proteína pode explicar o enigma dos baixos níveis de δ66Zn no Neandertal de Gabasa


No cenário das investigações sobre a dieta dos Neandertais, um estudo recente chamou atenção ao revelar um aparente paradoxo. A análise de isótopos de zinco (δ66Zn) no esmalte dentário de um Neandertal encontrado na Cueva de los Moros 1, em Gabasa, Espanha, apontou para um padrão que sugeria um consumo predominantemente carnívoro, corroborando evidências anteriores baseadas em isótopos de nitrogênio. No entanto, o nível extraordinariamente baixo de δ66Zn detectado surpreendeu os pesquisadores, pois destoava dos valores observados em outros carnívoros contemporâneos daquele sítio.

Diante desse quadro, Miki Ben-Dor e Ran Barkai, da Universidade de Tel Aviv, ofereceram uma nova perspectiva em um comentário publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Eles ressaltaram que um fator crucial parecia ter sido negligenciado na discussão original: a ingestão de gordura animal.

Os autores propuseram que a dieta do Neandertal de Gabasa poderia ter sido composta por um consumo elevado de gordura animal, que contém quantidades desprezíveis de zinco, associada a um consumo moderado de proteínas animais, limitado pela capacidade metabólica humana de processar proteínas. Ao contrário de carnívoros não-humanos, que podem tolerar dietas com teores muito altos de proteína, os seres humanos possuem restrições fisiológicas que limitam a ingestão proteica a cerca de 35-40% do valor calórico total da dieta. Assim, para atender suas necessidades energéticas, os Neandertais teriam que compensar a diferença com fontes de energia isentas de proteína, como a gordura animal.

Essa hipótese é consistente com uma série de evidências arqueológicas que apontam para o comportamento predatório dos Neandertais, o qual incluía estratégias para acessar partes de animais particularmente ricas em gordura, como a medula óssea e a gordura armazenada nos ossos. Ben-Dor e Barkai destacaram que esse padrão de consumo seria suficiente para explicar os níveis anômalos de δ66Zn detectados: ao limitar a quantidade de carne magra ingerida e priorizar fontes energéticas livres de zinco, o sinal isotópico observado no dente do Neandertal se tornaria compreensível.

Outro ponto importante levantado pelos autores é que, embora estudos isotópicos frequentemente considerem a contribuição de plantas na dieta humana pré-histórica como uma possibilidade que não deixa sinais significativos devido ao baixo teor proteico vegetal, muitas vezes não levam em conta que a gordura animal representa outra alternativa energética importante, igualmente sem impacto direto no sinal isotópico de nitrogênio ou zinco.

Ao propor essa interpretação, Ben-Dor e Barkai ampliaram o leque de ferramentas e hipóteses a serem usadas na reconstrução da dieta dos hominídeos do Pleistoceno. Eles sugeriram que as análises isotópicas futuras incorporem explicitamente o papel potencial da gordura animal, evitando interpretações que pressupõem uma equivalência entre a ausência de sinal isotópico e o consumo de plantas.

O caso do Neandertal de Gabasa ilustra como a combinação de dados isotópicos e considerações fisiológicas sobre o metabolismo humano permite uma reconstrução mais refinada dos padrões alimentares de nossos ancestrais. Esta discussão reforça a ideia de que o Homo neanderthalensis, assim como outras espécies do gênero Homo adaptadas a ambientes glaciares e temperados, desenvolveu um comportamento alimentar distinto, priorizando a obtenção e consumo de gordura animal para atender às altas demandas energéticas impostas pelo ambiente.

Essa abordagem não só resolve o chamado "enigma do baixo δ66Zn" no Neandertal de Gabasa, mas também sugere que características anatômicas e comportamentais observadas nesses hominídeos devem ser reinterpretadas à luz de uma dieta carnívora rica em gordura, adaptada às limitações fisiológicas humanas e aos desafios ecológicos da era glacial europeia.

Fonte: https://doi.org/10.1073/pnas.2218081120

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