Vitamina C e Doença: Perspectivas a partir da Evolução Humana

Ao longo das últimas décadas, a vitamina C consolidou-se como um dos suplementos mais populares no mundo, frequentemente associada à prevenção de gripes, resfriados, câncer e doenças cardiovasculares. Entretanto, embora estudos observacionais mostrem que maiores níveis sanguíneos de ácido ascórbico estão associados a menor mortalidade e risco de doenças crônicas, os ensaios clínicos randomizados — considerados padrão-ouro em evidência científica — não demonstram benefícios claros da suplementação de vitamina C.

Essa aparente contradição é o ponto de partida da análise conduzida pelos pesquisadores Zsófia Clemens e Csaba Tóth no artigo publicado na Journal of Evolution and Health. Segundo os autores, uma explicação plausível para a ineficácia dos suplementos pode estar na teoria da antagonismo glicose-ascorbato (GAA). Essa hipótese propõe que, devido à semelhança estrutural entre glicose e vitamina C, ambas competem pelos mesmos transportadores celulares. Em dietas com alta ingestão de carboidratos, o excesso de glicose inibe a entrada de vitamina C nas células, reduzindo sua biodisponibilidade, mesmo quando suplementada.

A teoria é reforçada por dados de pacientes diabéticos, que apresentam menores níveis plasmáticos de vitamina C, apesar de ingestão dietética similar a indivíduos saudáveis. Essa disfunção é agravada por níveis elevados de glicose, que reduzem a absorção intestinal e o transporte celular de vitamina C — especialmente sua forma oxidada (dehidroascorbato), que depende dos transportadores GLUT, também responsáveis pela glicose.

Do ponto de vista evolutivo, os autores destacam que humanos, assim como outras poucas espécies (como porquinhos-da-índia e primatas), perderam a capacidade de sintetizar vitamina C endogenamente. Essa perda, no entanto, não parece ter trazido prejuízos na era paleolítica. Evidências antropológicas mostram que dietas baseadas em carne, gordura e vísceras — comuns entre caçadores-coletores e populações árticas tradicionais como os inuítes — fornecem quantidades adequadas de vitamina C, mesmo na ausência de frutas e vegetais.

Um exemplo emblemático é o explorador ártico Vilhjalmur Stefansson, que viveu por anos exclusivamente com a dieta inuíte e participou de um experimento de um ano com dieta exclusivamente carnívora. Em ambos os contextos, não apresentou sinais de escorbuto. Estimativas mostram que vísceras como fígado, cérebro e pele de animais marinhos contêm níveis relevantes de vitamina C, que permanecem estáveis mesmo após o cozimento — ao contrário de fontes vegetais, que sofrem degradação térmica mais acentuada.

Além disso, os autores relatam sua experiência clínica com a dieta paleolítica cetogênica (PKD) — um modelo alimentar baseado exclusivamente em alimentos animais, sem laticínios, vegetais, suplementos ou adoçantes. Segundo os relatos de casos publicados, essa abordagem tem sido eficaz no tratamento de doenças metabólicas e neurológicas, sem provocar escorbuto ou qualquer deficiência nutricional, mesmo na ausência de suplementação de vitamina C.

Os autores argumentam que o foco em fontes vegetais de vitamina C — típico das recomendações dietéticas modernas — não apenas ignora a biodisponibilidade reduzida imposta por dietas ricas em carboidratos, como também desconsidera o papel protetor das fontes animais. Além disso, compostos como flavonoides, abundantes em frutas e vegetais, podem inibir o transporte intestinal de vitamina C, contribuindo ainda mais para sua baixa eficiência nessas dietas.

Por fim, o artigo propõe que o verdadeiro problema pode não ser a ingestão insuficiente de vitamina C em si, mas sim a disfunção metabólica causada por dietas modernas — ricas em açúcares e pobres em gorduras e nutrientes animais. O retorno a uma dieta evolutivamente coerente, baseada em carne, gordura e vísceras, poderia não apenas fornecer vitamina C em quantidades adequadas, mas também otimizar sua utilização celular.

Os autores concluem com uma citação emblemática do geneticista Theodosius Dobzhansky: "Nada em biologia faz sentido exceto à luz da evolução." É sob essa luz que eles propõem um novo paradigma para compreender a relação entre vitamina C, dieta e saúde.

Fonte: http://doi.org/10.15310/2334-3591.1030

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