Ações anabólicas e anticatabólicas dos corpos cetônicos no músculo esquelético: relevância potencial no manejo da perda muscular

A perda de massa muscular é um problema frequente em situações como envelhecimento, doenças crônicas, internações em UTI ou períodos de repouso prolongado. Ela compromete a mobilidade, a independência e até a expectativa de vida. As opções de tratamento ainda são limitadas, e por isso novas abordagens vêm sendo estudadas. Entre elas, o papel dos corpos cetônicos — substâncias produzidas pelo fígado em jejum prolongado ou durante dietas muito baixas em carboidratos — tem atraído atenção científica recente.

O que são corpos cetônicos

Os principais corpos cetônicos são o beta-hidroxibutirato (β-HB) e o acetoacetato (AcAc). Eles surgem quando a glicose disponível no sangue é baixa, funcionando como combustível alternativo para cérebro, coração e músculos.

Mais do que simples fonte de energia, essas moléculas também atuam como sinais metabólicos, regulando processos celulares ligados à inflamação, ao gasto de energia e à forma como o músculo equilibra a produção e a quebra de proteínas.

Hoje, além da produção natural, já existem suplementos de cetonas exógenas (em forma de ésteres ou sais), capazes de aumentar rapidamente a concentração dessas substâncias no sangue, sem a necessidade de jejum ou dieta restritiva.

Construção e proteção muscular

O músculo depende de um equilíbrio entre síntese de proteína (construção) e quebra de proteína (degradação). Quando a síntese supera a quebra, ocorre ganho muscular; quando acontece o contrário, há perda.

Os estudos analisados na revisão apontam duas possíveis ações das cetonas:

Efeito anabólico (construção):

  • Em pessoas saudáveis, a ingestão de suplementos de cetona elevou a produção de proteínas musculares em níveis comparáveis ao consumo de pequenas doses de proteína alimentar.
  • Após exercício, o uso de cetonas aumentou sinais celulares ligados ao crescimento muscular.
  • No entanto, outros trabalhos mostraram resultados neutros ou até supressão leve da síntese, indicando que esse efeito pode variar de acordo com o contexto.

Efeito anticatabólico (proteção):

  • Em situações de inflamação ou doença aguda, o β-HB reduziu a perda de proteína muscular em mais de 70%.
  • Em modelos experimentais que simulam doenças graves, a combinação de proteína com cetona melhorou o balanço proteico principalmente ao diminuir a degradação.
  • Esse efeito protetor foi o mais consistente entre os achados.

Possíveis aplicações

As situações em que o catabolismo muscular é mais intenso parecem ser as que mais se beneficiam:

  • Sarcopenia do envelhecimento, agravada por inflamação de baixo grau e inatividade.
  • Repouso no leito ou imobilização, em que a produção de proteína cai rapidamente.
  • Doenças graves como sepse, câncer ou queimaduras extensas, marcadas por perda acelerada de músculo.

Nesses contextos, os corpos cetônicos podem ajudar a preservar massa muscular, principalmente quando usados junto a proteína e reabilitação com exercício.

Limitações e pontos em aberto

Apesar dos resultados animadores, ainda existem lacunas importantes:

  • A maioria dos estudos é de curta duração, avaliando apenas horas ou poucos dias.
  • Não se sabe se o uso contínuo resulta em ganhos reais de massa e força.
  • A resposta varia conforme o estado de saúde: em pessoas sem inflamação ou doença, os efeitos podem ser menos evidentes.
  • É necessário entender melhor como combinar cetonas com proteína e atividade física para obter resultados clínicos relevantes.

Conclusão

Os corpos cetônicos mostram potencial para proteger e, em alguns casos, estimular o músculo esquelético. Seu efeito mais sólido parece ser reduzir a quebra muscular em condições de estresse e inflamação. Isso abre caminho para seu uso no combate à sarcopenia e à perda de massa associada a doenças graves ou imobilização.

Ainda assim, faltam estudos de longo prazo que confirmem benefícios clínicos em força, funcionalidade e qualidade de vida. Por enquanto, os corpos cetônicos despontam como um recurso promissor, mas que precisa ser consolidado pela ciência antes de se tornar parte de protocolos terapêuticos.

Fonte: https://doi.org/10.1097/MCO.0000000000001164

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