Neste novo trabalho publicado em Frontiers in Nutrition, um grupo de pesquisadores avaliou se dietas com baixo teor de carboidratos (LCD, na sigla em inglês) são seguras para o coração de pessoas com doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease MASLD). Eles compilaram ensaios clínicos randomizados (ECRs) para verificar impactos em pressão arterial, marcadores glicêmicos, perfil lipídico e medidas corporais. No conjunto de 16 ECRs incluídos (1.056 participantes), os estudos vieram de diferentes países e variaram de 2 a 96 semanas de duração, permitindo uma visão ampla dos efeitos no curto e no longo prazo.
O que foi feito
Os autores seguiram protocolo registrado e conduziram meta-análises padronizadas, aplicando testes de heterogeneidade e, quando cabível, análise de viés de publicação. As comparações focaram LCDs versus outras estratégias (dieta pobre em gordura, mediterrânea, padrão, restrição calórica intermitente, exercício, entre outras) e agruparam resultados em: pressão arterial, glicemia/insulina, lipídios e antropometria .
Principais achados (com números)
Glicemia e resistência à insulina
- HbA1c caiu de forma estatisticamente significativa com LCDs (SMD −0,27; IC95% −0,47 a −0,07), com baixa heterogeneidade; já glicemia de jejum e HOMA-IR não diferiram na análise agrupada. Em subgrupos, a restrição mais intensa de carboidratos (<26% da energia) e intervenções mais curtas (<24 semanas) ampliaram a queda da HbA1c .
Perfil lipídico
- Triglicerídeos diminuíram (SMD −0,20; IC95% −0,34 a −0,06). Para LDL-C, HDL-C e colesterol total, não houve diferença significativa versus controles; a heterogeneidade foi alta e sensíveis a estudos específicos, mas sem mudar a conclusão de ausência de efeito global. Em subgrupos, a restrição <26% e a duração <24 semanas reforçaram a redução de triglicerídeos .
Pressão arterial
- Nas análises gerais, LCDs não superaram os controles para pressão sistólica e diastólica. Entretanto, quando os estudos foram filtrados para carboidrato <26%, apareceram reduções significativas em ambas as medidas (efeitos moderados e heterogeneidade menor) .
Antropometria
- Peso corporal e IMC caíram de forma significativa com LCDs, enquanto cintura e relação cintura-quadril não mostraram diferença consistente na análise agrupada (os dados de relação cintura-quadril foram escassos). Os autores destacam que, ao restringir <26% da energia em carboidratos, as quedas em peso, IMC e cintura foram mais pronunciadas .
O que esses resultados significam para quem tem MASLD
A síntese sugere que LCDs melhoram parâmetros cardiometabólicos relevantes em MASLD—especialmente HbA1c, triglicerídeos, peso e IMC—sem evidência de piora consistente em LDL-C, HDL-C ou colesterol total no conjunto dos ECRs avaliados. Quando a restrição é mais rigorosa (<26% de carboidratos), há sinais de benefícios adicionais, inclusive em pressão arterial e medidas de adiposidade central, embora esses últimos resultados precisem de confirmação com mais estudos reportando relação cintura-quadril de forma padronizada .
Padrões de qualidade e nuance dos dados
Os autores identificaram heterogeneidade importante para alguns desfechos lipídicos e limitações como desistências >20% em parte dos estudos e dificuldade de cegamento típico de intervenções dietéticas. Ainda assim, a consistência da redução de triglicerídeos e da HbA1c confere maior segurança à interpretação desses dois desfechos como favoráveis às LCDs em MASLD .
Detalhes que ajudam a interpretar
- Intensidade e duração importam. Efeitos mais claros emergem com <26% de carboidratos e em intervenções curtas (≤24 semanas). Essa janela pode ser útil como estratégia faseada (início mais restritivo e monitorado), com posterior ajuste conforme resposta clínica .
- LDL-C e outros lipídios. A ausência de diferença média não exclui variações individuais; a heterogeneidade alta sugere que qualidade da gordura (mono/poli versus saturada) e adesão podem modular respostas. A própria discussão dos autores recomenda padronizar a descrição de subtipos de gordura em futuros ensaios .
- Peso e composição. A queda em peso e IMC foi consistente; medidas de gordura visceral (p. ex., relação cintura-quadril) ainda são sub-relatadas e precisam de melhor padronização para conclusões firmes sobre adiposidade central.
Como essa evidência pode orientar a prática clínica
A partir desse corpo de ECRs, uma LCD bem planejada para MASLD tende a:
- Reduzir HbA1c e triglicerídeos—com ganhos maiores quando a restrição é mais intensa e em prazos curtos;
- Diminuir peso e IMC, contribuindo para melhora global do risco cardiometabólico;
- Não mostrar aumento consistente dos marcadores lipídicos usuais na média dos estudos.
Em linguagem prática, isso sugere que carboidrato mais baixo, especialmente abaixo de 26% da energia, pode ser uma ferramenta eficaz a curto prazo para melhorar múltiplos fatores de risco em MASLD, desde que acompanhado por suporte profissional, monitorização e atenção à qualidade das gorduras e à adesão. Os autores ressaltam a necessidade de ensaios de maior duração com desfechos clínicos cardiovasculares duros (eventos/mortalidade) e de padronização da avaliação dietética para consolidar a segurança cardiovascular de longo prazo .
Conclusão
A revisão sistemática e meta-análise apoiam o uso de uma estratégia com redução mais intensa de carboidratos como abordagem inicial para MASLD, com impacto favorável em HbA1c, triglicerídeos, peso e IMC, além de potenciais ganhos em pressão arterial quando <26% da energia vem de carboidratos. Para avançar, a pesquisa deve alinhar-se a três frentes: padronização nutricional detalhada (incluindo subtipos de gordura), estratégias de adesão e ensaios com desfechos cardiovasculares clínicos .
