Por que o corpo humano precisa de glicose se também consegue viver bem queimando gordura?


Quando se fala em energia no corpo humano, é comum surgir a dúvida: se conseguimos viver bem utilizando gordura e corpos cetônicos como combustível, por que a glicose continua sendo essencial? A resposta exige voltar à própria história da vida na Terra e à forma como nosso metabolismo foi moldado pela evolução.

A fotossíntese foi um ponto de virada: plantas e micro-organismos passaram a capturar a energia do sol e armazená-la em moléculas de glicose e amido. Com o tempo, o oxigênio liberado por esse processo acumulou-se na atmosfera e possibilitou que organismos mais complexos surgissem, respirando oxigênio e utilizando a glicose como fonte central de energia. Isso explica por que a glicose tornou-se um “combustível universal” para células vivas.

Nos seres humanos, há tecidos que dependem fortemente da glicose. O cérebro, por exemplo, mesmo adaptado a usar corpos cetônicos, ainda precisa de uma quantidade mínima de glicose para funcionar. Os glóbulos vermelhos não conseguem utilizar gordura nem cetonas; sua única fonte energética é a glicose. Da mesma forma, certas células do rim e da medula óssea têm essa dependência. É por isso que níveis muito baixos de glicose no sangue podem levar rapidamente a riscos graves para a vida.

O curioso é que não precisamos ingerir glicose diretamente para sobreviver. Nosso corpo tem um mecanismo chamado gliconeogênese, que permite produzir glicose a partir de aminoácidos das proteínas e do glicerol presente nas gorduras. Ou seja, ainda que o ambiente alimentar fosse pobre em carboidratos, como de fato ocorreu em boa parte da evolução humana, a sobrevivência era garantida.

Essa capacidade de fabricar glicose explica por que proteínas e gorduras são chamadas de “essenciais”, já que não conseguimos produzi-las do zero. Já a glicose não é considerada essencial na dieta, pois o corpo consegue sintetizá-la. Contudo, a maquinaria para produzir glicose foi mantida pela seleção natural, justamente porque sua ausência levaria à morte celular em tecidos vitais.

Além disso, o organismo desenvolveu uma forma de poupar glicose por meio dos corpos cetônicos. Esses derivados da gordura passam a ser utilizados especialmente pelo cérebro em períodos de jejum ou dietas restritas em carboidratos, reduzindo a necessidade de glicose. Isso mostra que, ao longo da evolução, humanos conviveram com longos períodos sem acesso a carboidratos, contando principalmente com carne e gordura animal como base alimentar.

Se tivéssemos evoluído em um ambiente repleto de amido e escasso em proteínas e gorduras, o caminho metabólico seria outro. Teríamos mecanismos para fabricar aminoácidos e ácidos graxos a partir da glicose, o que não acontece. O fato de precisarmos obtê-los da alimentação reforça o papel central das fontes animais na nossa adaptação evolutiva.

Portanto, a glicose é necessária porque sempre esteve na base do metabolismo celular desde as formas de vida mais primitivas. Porém, a flexibilidade de poder fabricá-la internamente e substituí-la parcialmente por cetonas mostra que a dieta ancestral humana não era rica em carboidratos. Isso ajuda a compreender por que padrões alimentares com restrição de carboidratos muitas vezes melhoram marcadores de saúde: eles resgatam uma lógica metabólica que nos acompanha há milhões de anos.

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