A presença onipresente de microplásticos no ambiente e sua potencial toxicidade têm despertado crescente atenção científica. No entanto, a maioria dos estudos existentes avalia doses irrealisticamente altas, comprometendo a relevância para exposições humanas cotidianas. Para preencher essa lacuna, um estudo recente publicado na Science of The Total Environment investigou os impactos à saúde causados por uma exposição crônica a microplásticos derivados de amido, em concentrações ambientalmente realistas, utilizando um modelo animal (rato Wistar Han).
Metodologia e desenho experimental
Os pesquisadores expuseram ratos machos a microplásticos de amido por um período de 20 semanas, com quatro grupos experimentais: um controle (água pura) e três grupos com diferentes doses de microplásticos (0,015; 0,15; e 1,5 mg/L), administrados via água potável. As partículas utilizadas (tamanho de 10–50 μm) representam microplásticos potencialmente ingeridos por humanos via alimentos ou água contaminada. O estudo buscou elucidar não apenas os efeitos diretos sobre órgãos vitais, mas também alterações em parâmetros metabólicos, oxidativos e comportamentais.
Efeitos sobre órgãos e parâmetros hematológicos
A exposição prolongada, mesmo em doses extremamente baixas, levou a alterações sutis porém consistentes em diversos sistemas fisiológicos:
- Fígado: aumentos nos níveis de enzimas hepáticas (ALT e AST), indicativos de possível dano ou estresse hepático.
- Baço: variações em peso absoluto e alterações histológicas, sugerindo ativação imunológica ou inflamação.
- Cérebro e rins: o estudo identificou alterações histopatológicas nos rins, incluindo congestão e vacuolização, mesmo nas menores doses.
- Sangue: mudanças significativas em leucócitos e linfócitos apontaram para uma resposta imune sistêmica.
Estresse oxidativo e metabolismo
Os animais expostos apresentaram aumento significativo de biomarcadores de estresse oxidativo (MDA, GSH) nos rins e no fígado, mesmo nas concentrações mais baixas. Além disso, a análise de perfis metabólicos revelou alterações nos níveis séricos de glicose, colesterol e triglicerídeos, sugerindo um possível impacto metabólico cumulativo.
Comportamento e sistema nervoso
Curiosamente, os testes comportamentais revelaram comprometimento em parâmetros relacionados à ansiedade e locomoção. O grupo com dose intermediária (0,15 mg/L) demonstrou redução significativa na distância total percorrida e aumento de comportamentos indicativos de ansiedade, como maior tempo em áreas fechadas do labirinto em cruz elevado. Essas alterações comportamentais foram acompanhadas por alterações histológicas cerebrais, indicando possível neurotoxicidade.
Implicações ambientais e de saúde pública
Embora baseados em modelo animal, os achados do estudo são altamente preocupantes por três razões principais:
- As doses testadas refletem concentrações encontradas em ambientes aquáticos consumidos por humanos, como água potável ou alimentos processados.
- Os efeitos observados ocorreram mesmo em exposições de longa duração a doses muito abaixo dos limiares tradicionais considerados “seguros”.
- O acúmulo sistêmico de partículas foi associado a alterações histológicas, metabólicas e comportamentais potencialmente irreversíveis.
Conclusão
Este estudo fornece evidências robustas de que a exposição crônica a microplásticos derivados de fontes vegetais, como o amido, pode induzir uma série de efeitos adversos à saúde, mesmo em doses consideradas ambientalmente realistas. A pesquisa reforça a urgência de políticas públicas voltadas à regulação do uso de plásticos biodegradáveis e à avaliação rigorosa de seus impactos toxicológicos em longo prazo. Além disso, destaca a importância de novos estudos em humanos para investigar possíveis correlações entre exposição cotidiana a microplásticos e distúrbios metabólicos, imunológicos e neurológicos.