Ao longo das últimas décadas, a Índia vem enfrentando uma realidade paradoxal: ao mesmo tempo em que apresenta avanços notáveis em indicadores de desenvolvimento, mantém níveis preocupantes de desnutrição infantil. O estudo “Unveiling subgroup trends of stunting and wasting in Indian children: a serial cross-sectional analysis from National Family Health Surveys 3–5” publicado no American Journal of Clinical Nutrition, oferece um panorama detalhado e inovador sobre como o nanismo (stunting) e o emagrecimento (wasting) vêm evoluindo em diferentes subgrupos da população infantil indiana entre 2005 e 2020.
Quadro geral: progressos e persistências
De modo geral, os dados revelam uma queda substancial na prevalência de nanismo, com uma redução de mais de 23% entre 1992 e 2020. Contudo, o emagrecimento infantil mostrou declínio muito mais modesto, mantendo-se elevado e estável. Em 2020, 4% das crianças com menos de 5 anos apresentavam simultaneamente nanismo e emagrecimento, evidenciando um quadro de desnutrição crônica e aguda coexistente.
Apesar da melhora geral, as desigualdades entre grupos sociais e regionais persistem. Crianças de castas marginalizadas, tribos indígenas, zonas rurais e quintis de renda mais baixa continuam apresentando os piores indicadores. Isso sugere que os benefícios das políticas públicas não têm sido igualmente distribuídos entre os diferentes estratos sociais.
Dietas típicas da população estudada
O padrão alimentar das famílias indianas de baixa renda, especialmente nas áreas rurais e entre castas e tribos marginalizadas, caracteriza-se por alta dependência de carboidratos simples e baixa densidade nutricional. Essa dieta, ainda que culturalmente rica, tem limitações importantes do ponto de vista do crescimento infantil. Os principais elementos observados são:
- Cereais refinados como arroz branco e trigo (em forma de chapati ou roti) constituem a base da alimentação. Embora sejam fontes de energia, fornecem poucos micronutrientes essenciais.
- Lentilhas e leguminosas são a principal fonte de proteína, mas têm perfil incompleto de aminoácidos e baixa biodisponibilidade de ferro e zinco.
- Verduras e vegetais cozidos são consumidos com frequência, mas geralmente em pequenas porções e com baixa variedade.
- Produtos de origem animal — como carne, ovos, peixe e laticínios — são consumidos de forma esporádica ou inexistente, tanto por motivos econômicos quanto culturais e religiosos.
- Frutas frescas são raras nas dietas de famílias de baixa renda, dificultando a obtenção de vitamina C, A e folato.
- Gorduras adicionadas, como óleo vegetal ou manteiga clarificada (ghee), são utilizadas com moderação, mas não compensam a baixa ingestão de lipídios essenciais durante a infância.
- Comida de bebê ou alimentação complementar após os 6 meses de idade tende a ser monótona, com papas de arroz ou trigo diluídas em água, muitas vezes sem enriquecimento com gordura ou proteína.
Esses padrões alimentares, observados em todas as regiões do estudo, contribuem diretamente para os déficits de crescimento. A combinação de ingestão energética marginal com deficiências persistentes de micronutrientes (ferro, zinco, vitamina A, cálcio, B12 e proteínas de alta qualidade) cria um cenário propício ao nanismo, especialmente nos primeiros dois anos de vida.
Além disso, o estudo evidencia que as dietas maternas durante a gravidez apresentam as mesmas limitações. Mães com baixo consumo de proteína animal, ferro biodisponível e calorias adequadas apresentam maior risco de dar à luz crianças com baixo peso e baixa estatura — o que já marca o início de trajetórias de crescimento comprometido.
Principais fatores dietéticos associados ao nanismo
O estudo identificou os seguintes pontos como mais fortemente associados ao nanismo infantil:
- Deficiência de proteínas completas, principalmente pela ausência de alimentos de origem animal.
- Baixa ingestão de micronutrientes críticos, como zinco, ferro, vitamina A, B12 e folato.
- Monotonia alimentar e ausência de diversidade, limitando a exposição da criança a alimentos com alto valor biológico.
- Aleitamento materno inadequado ou desmame precoce seguido de alimentação complementar de baixa qualidade.
- Deficiências alimentares maternas pré-concepcionais e gestacionais, que comprometem o desenvolvimento intrauterino.
Influência de fatores ambientais e sociais
Além dos fatores alimentares, o estudo reforça que a nutrição infantil é influenciada por um conjunto de determinantes sociais e ambientais. Acesso inadequado à água potável, saneamento deficiente, uso de combustíveis poluentes para cozinhar e baixa escolaridade materna são fatores que se associam fortemente a piores escores de crescimento infantil.
Conclusão
O nanismo infantil na Índia, especialmente entre crianças de famílias pobres, castas marginalizadas e residentes em áreas rurais, é o resultado de múltiplas camadas de exclusão — nutricional, sanitária, educacional e social. O estudo revela que, embora tenha havido progresso nos indicadores nacionais, as causas estruturais do crescimento comprometido persistem, e muitas estão diretamente ligadas a padrões alimentares inadequados tanto na infância quanto durante a gestação.
A superação do nanismo exigirá mais do que suplementação pontual. Será necessário um redesenho profundo das estratégias de segurança alimentar, priorizando diversidade dietética, densidade nutricional e foco na saúde materna desde o período pré-concepcional. Dietas que garantam proteínas completas, micronutrientes biodisponíveis e fontes adequadas de gordura são fundamentais para garantir o direito ao crescimento saudável e ao desenvolvimento pleno de todas as crianças.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.ajcnut.2025.01.027
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