Revisão abrangente de revisões sistemáticas e meta-análises sobre o consumo de diferentes grupos alimentares e o risco de diabetes tipo 2 e síndrome metabólica


O impacto dos alimentos de origem animal na saúde metabólica continua sendo alvo de intensos debates científicos, especialmente no contexto da prevenção do diabetes tipo 2 (DM2) e da síndrome metabólica (SM). Uma revisão abrangente publicada no Journal of Nutritional Biochemistry reuniu evidências de 27 meta-análises sobre como diferentes grupos alimentares — incluindo carnes, laticínios e ovos — influenciam o risco dessas condições. Neste artigo, destacam-se exclusivamente os achados relacionados aos alimentos de origem animal.

Laticínios: associações consistentes com menor risco metabólico

Entre os alimentos de origem animal avaliados, os laticínios — especialmente os fermentados, como iogurte natural — foram os que apresentaram associação mais robusta com menor risco de diabetes tipo 2. Esse efeito foi observado em múltiplas revisões incluídas na análise, com evidência classificada como moderada a alta. O efeito protetor se manteve mesmo em análises dose-dependentes e ajustadas para fatores de confusão.

Em relação à síndrome metabólica, o consumo de laticínios também mostrou associação inversa, especialmente com relação à pressão arterial e perfil lipídico. Os autores destacam que esse efeito parece não depender do teor de gordura dos laticínios, o que questiona recomendações genéricas para preferir produtos desnatados.

Contudo, há importante heterogeneidade entre os estudos: muitos não discriminam entre tipos de laticínios (fermentados vs. ultraprocessados, com ou sem adição de açúcar), o que pode impactar a interpretação dos resultados.

Carnes vermelhas e processadas: associações heterogêneas e baixa qualidade da evidência

A revisão identificou associação entre o consumo de carnes processadas (como bacon, salsicha e presunto industrializado) e maior risco de DM2, com evidência considerada confiável, principalmente por causa da consistência dos resultados e da magnitude do efeito observado nas análises combinadas.

Já o consumo de carnes vermelhas não processadas apresentou associação de baixo a moderado grau de confiabilidade com risco aumentado de diabetes tipo 2. Essa associação foi considerada fraca e inconsistente, e com alta heterogeneidade entre os estudos. Os autores ressaltam que muitos desses estudos não ajustaram adequadamente para variáveis críticas, como o padrão alimentar de base, métodos de preparo (ex: fritura vs. cocção lenta), e o consumo concomitante de farináceos e açúcares — todos fatores com potencial de distorcer os resultados.

Em síntese, não há evidência sólida para afirmar que o consumo de carne vermelha fresca, em quantidades fisiológicas, seja causalmente associado ao desenvolvimento de diabetes ou síndrome metabólica. As associações positivas encontradas se concentram em estudos observacionais com alto risco de viés e confundidores não controlados.

Ovos: associação neutra ou protetora em análises ajustadas

Embora analisados em menor número de revisões, os ovos apareceram em algumas meta-análises como parte dos padrões alimentares avaliados. A maioria das análises apontou para uma associação neutra ou ligeiramente protetora com o risco de DM2, especialmente quando consumidos como parte de um padrão alimentar equilibrado e pobre em carboidratos refinados.

Entretanto, essa relação também foi marcada por heterogeneidade significativa. Em estudos onde os ovos estavam inseridos em contextos alimentares de alta carga glicêmica (ex: dietas ocidentais com pão branco, açúcares e gorduras industriais), observou-se associação positiva com DM2. Isso sugere que o contexto alimentar no qual os ovos são consumidos pode modificar substancialmente o risco observado.

Limitações e falhas da revisão

Apesar da abrangência e do rigor metodológico, a revisão apresenta limitações importantes que restringem a força de suas conclusões:

  • Predominância de estudos observacionais: a maioria dos dados é oriunda de coortes e estudos transversais, o que impede estabelecer causalidade. Relações encontradas podem refletir associações espúrias, influenciadas por fatores de confusão não controlados.
  • Agrupamento impreciso de alimentos: muitos estudos agrupam indiscriminadamente diferentes tipos de carnes ou laticínios. Carnes frescas, ultraprocessadas e fritas são frequentemente analisadas como um único grupo, o que compromete a interpretação de efeitos específicos.
  • Heterogeneidade metodológica: houve variação substancial entre as revisões incluídas quanto à definição dos desfechos, duração dos estudos, métodos de avaliação dietética, ajustes estatísticos e populações estudadas.
  • Viés de publicação: revisões sistemáticas e meta-análises podem superestimar efeitos se estudos com resultados nulos ou negativos não forem publicados ou incluídos.
  • Influência do padrão alimentar de base: os efeitos atribuídos a alimentos de origem animal podem depender fortemente do padrão dietético em que estão inseridos. Por exemplo, o consumo de carne com farináceos refinados e óleos vegetais industrializados pode resultar em efeitos diferentes daqueles observados em dietas restritas em carboidratos e baseadas em alimentos minimamente processados.

Essas limitações indicam que os resultados devem ser interpretados com cautela e não devem ser usados isoladamente para embasar diretrizes alimentares restritivas.

Conclusão

A análise crítica das revisões sistemáticas e meta-análises mostra que os alimentos de origem animal não devem ser tratados de forma homogênea nas recomendações nutricionais. Enquanto laticínios fermentados demonstram associação consistente com menor risco metabólico, as carnes processadas apresentam evidência mais clara de associação com risco aumentado.

No caso das carnes vermelhas in natura e ovos, as evidências disponíveis são limitadas, heterogêneas e insuficientes para conclusões causais. A maior parte dos dados deriva de estudos observacionais de baixa qualidade metodológica, com potencial considerável de confundimento por fatores dietéticos e comportamentais.

Portanto, a recomendação de limitar indiscriminadamente alimentos de origem animal, especialmente os não processados, não encontra suporte sólido nesta revisão abrangente. Futuros estudos clínicos controlados são essenciais para esclarecer o papel específico desses alimentos na fisiopatologia do diabetes tipo 2 e da síndrome metabólica.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.tjnut.2025.03.021

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: