Este estudo clínico randomizado, publicado na revista Clinical Nutrition, investigou como diferentes padrões alimentares vegetarianos afetam o controle glicêmico e o perfil metabólico em adultos saudáveis. Embora nenhuma das dietas envolvesse consumo de carne, o diferencial chave foi a inclusão de produtos de origem animal — especificamente os laticínios — na dieta lactovegetariana. Isso permitiu avaliar o impacto isolado desses alimentos no metabolismo da glicose, evitando as interferências associadas ao consumo de carnes vermelhas ou processadas.
Durante duas semanas, 30 voluntários seguiram dietas isoenergéticas: uma vegana, totalmente isenta de produtos animais, e outra lactovegetariana, que incluía leite, iogurte (curd) e queijo fresco (paneer). As refeições foram cuidadosamente controladas e padronizadas quanto à energia e macronutrientes. Todos os participantes utilizaram sensores de monitoramento contínuo da glicose (CGM) para registrar os níveis de glicose intersticial ao longo do dia. Além disso, um subgrupo passou por análises metabolômicas, que mediram aminoácidos e acilcarnitinas no sangue em jejum e após as refeições.
Resultados principais
O grupo lactovegetariano apresentou níveis médios de glicose significativamente mais baixos ao longo dos 13 dias de monitoramento (78,5 ± 3,7 mg/dL) em comparação ao grupo vegano (85,5 ± 3,8 mg/dL), mesmo com ingestão calórica e de macronutrientes equivalentes. Esses dados indicam melhor controle glicêmico associado à presença de laticínios na dieta.
No nível molecular, as análises metabolômicas revelaram um aumento significativo de acetilcarnitina (C2) no grupo lactovegetariano após a refeição, enquanto o grupo vegano apresentou elevação de fenilalanina (Phe). A acetilcarnitina é um derivado da carnitina, substância naturalmente presente em alimentos de origem animal, especialmente em laticínios. Este composto tem sido associado a funções antioxidantes e à melhora da flexibilidade metabólica, podendo contribuir para a regulação da glicemia. Em contraste, o aumento da fenilalanina no grupo vegano foi interpretado como um possível reflexo do estresse oxidativo induzido por glicemia elevada, que pode prejudicar a conversão da fenilalanina em tirosina por meio da oxidação do cofator BH4.
A elevação de acetilcarnitina nos consumidores de laticínios pode refletir não apenas sua ingestão direta, mas também uma melhora no metabolismo de ácidos graxos e na capacidade de resposta mitocondrial ao desafio glicêmico. A presença de laticínios parece atuar como um fator protetor contra a disfunção metabólica que pode ser induzida por elevações pós-prandiais de glicose.
Implicações
Estes resultados reforçam evidências anteriores de que produtos lácteos, mesmo em um contexto vegetariano, podem oferecer vantagens metabólicas relevantes, particularmente na manutenção da homeostase glicêmica. Os mecanismos sugeridos incluem:
- Ação antioxidante da acetilcarnitina derivada de laticínios, com potencial proteção contra os efeitos prejudiciais do estresse glicêmico.
- Estimulação da produção de peptídeos insulinotrópicos por componentes bioativos do leite.
- Fornecimento de aminoácidos e micronutrientes essenciais, ausentes ou menos biodisponíveis em alternativas vegetais.
Embora o estudo não tenha incluído carnes ou ovos, destaca-se que a inclusão moderada de laticínios em dietas baseadas em vegetais pode melhorar parâmetros metabólicos relevantes, como a variabilidade glicêmica e os marcadores de estresse oxidativo. A ausência de alimentos de origem animal na dieta vegana foi associada, neste contexto, a uma menor eficiência metabólica na resposta pós-prandial.
Considerações finais
Apesar das limitações relacionadas ao tempo de intervenção e ao tamanho amostral, este ensaio clínico controlado sugere que alimentos de origem animal como o leite, o iogurte e o queijo fresco podem contribuir para um melhor controle glicêmico quando integrados a uma dieta equilibrada. Os dados também apontam para a importância da acetilcarnitina como possível mediador metabólico desses efeitos. São necessários estudos adicionais de maior duração e com populações mais diversas para confirmar esses achados e esclarecer os mecanismos moleculares envolvidos.