No ano de 1900, durante a Exposição Universal de Paris, Rudolf Diesel apresentou um motor inovador que operava com óleo de amendoim. A proposta era clara: utilizar óleos vegetais como fonte de energia industrial, aproveitando resíduos agrícolas e vegetais para alimentar motores e maquinário pesado. A ideia de que esses óleos um dia dominariam a alimentação humana era, à época, impensável.
No entanto, essa realidade mudou drasticamente ao longo do século XX. A introdução do Crisco, um óleo de algodão hidrogenado lançado em 1911, marcou o início da popularização dos óleos vegetais na alimentação. Impulsionado por interesses industriais e campanhas de marketing que demonizavam a gordura animal, os óleos extraídos de soja, milho, canola, girassol e algodão invadiram a dieta moderna. Vendidos como alternativas “mais saudáveis” à manteiga, banha e sebo, os óleos vegetais passaram a representar uma significativa fração das calorias ingeridas nas sociedades ocidentais — e com isso, também se tornaram objeto de intensa investigação científica.
A ciência revela os riscos
Estudos contemporâneos revelam que a substituição das gorduras animais por óleos vegetais refinados trouxe consequências graves para a saúde humana. Um dos principais vilões é o ácido linoleico, um ácido graxo ômega-6 predominante nesses óleos. Em excesso, ele tem sido associado à inflamação crônica, disfunção mitocondrial, resistência à insulina, obesidade, doenças cardiovasculares e câncer — incluindo o agressivo câncer de mama triplo negativo.
Além disso, o processamento industrial dos óleos vegetais envolve calor intenso, solventes químicos como o hexano, e etapas de desodorização que geram subprodutos tóxicos. Dentre eles, destaca-se o 4-hidroxinonenal (HNE), um aldeído reativo que danifica proteínas, DNA e membranas celulares. Esses compostos são formados tanto durante a fabricação quanto durante o aquecimento culinário desses óleos, tornando-os duplamente problemáticos.
Mesmo os óleos ditos “não hidrogenados” ou “prensados a frio” apresentam concentrações elevadas de ácido linoleico, o que pode afetar negativamente o equilíbrio lipídico das membranas celulares e favorecer o desenvolvimento de doenças degenerativas ao longo do tempo. A ingestão repetida, diária e crônica, desses produtos — inicialmente destinados a motores — configura um dos grandes paradoxos da alimentação moderna.
Do prato de volta ao motor
Diante das evidências acumuladas sobre os malefícios à saúde, uma transformação silenciosa vem ocorrendo: o retorno dos óleos vegetais ao seu propósito original — mover máquinas. Em abril de 2024, a Japan Airlines (JAL) operou um voo comercial entre Osaka (Kansai) e Tóquio (Haneda) utilizando combustível de aviação sustentável (SAF) feito com óleo de cozinha reciclado. Esse voo, parte do projeto “Fry to Fly”, foi abastecido com uma mistura contendo 39% de SAF produzido pela empresa Revo International, sediada em Kyoto.
Mas o marco mais significativo veio em 1º de maio de 2025, quando a JAL realizou o voo JL891 de Kansai para Xangai utilizando, pela primeira vez, SAF produzido em escala industrial e inteiramente com matéria-prima doméstica. O combustível foi fornecido pela Saffaire Sky Energy LLC, uma joint venture entre JGC Holdings, Cosmo Oil e Revo International. A refinaria de Sakai, em Osaka, tem capacidade para produzir até 30.000 quilolitros de SAF por ano a partir de óleo de cozinha usado.
Esse combustível atende aos padrões internacionais de sustentabilidade e foi certificado pela ISCC CORSIA, permitindo sua integração na cadeia global de descarbonização da aviação. Trata-se de uma reversão emblemática: o mesmo óleo que hoje compromete a saúde metabólica da população global começa a ser resgatado para fins industriais — exatamente como previsto por Rudolf Diesel mais de um século atrás.
Reflexões finais: qual o lugar dos óleos vegetais?
A trajetória dos óleos vegetais — do motor à mesa, e agora de volta ao motor — revela muito sobre as escolhas industriais, políticas e culturais que moldaram a alimentação moderna. O marketing os consagrou como pilares de uma dieta “saudável”, enquanto a ciência os aponta como fatores centrais na epidemia de doenças metabólicas crônicas.
Se a aviação já percebeu que esses produtos são mais úteis nos tanques do que nos pratos, talvez a sociedade como um todo precise rever sua relação com essas gorduras artificiais. O retorno a fontes ancestrais de gordura — como manteiga, banha, sebo e outras de origem animal — não apenas está alinhado com a evolução humana, como oferece um perfil lipídico mais estável, menos inflamável (no sentido bioquímico) e compatível com a saúde mitocondrial.
À medida que iniciativas como o “Fry to Fly” ganham força e se expandem, cresce a expectativa de que o uso alimentar dos óleos vegetais, amplamente questionado, possa ser enfim substituído por aplicações que respeitem sua origem e reduzam os danos causados à saúde humana.