No cenário atual da oncologia nutricional, cresce o interesse por abordagens dietéticas como estratégias complementares na prevenção e no tratamento do câncer. No entanto, esse campo enfrenta uma série de desafios, entre eles a definição imprecisa dos padrões alimentares. Em um comentário crítico publicado na revista Oncologie, os autores Rainer J. Klement, Reinhart A. Sweeney e Colin E. Champ analisam a revisão de Shah e Iyengar publicada no JAMA Oncology sobre os efeitos comparativos das dietas baseadas em plantas e cetogênica (KD) na oncologia. O artigo contesta a suposta superioridade das dietas vegetais e levanta importantes considerações metodológicas e conceituais.
O problema das definições vagas
Os autores iniciam destacando que o termo "dieta baseada em plantas" carece de uma definição clara, sendo utilizado de forma inconsistente tanto no meio científico quanto pelo público geral. Por outro lado, a dieta cetogênica é mais rigorosamente definida com base na distribuição de macronutrientes, embora existam diferentes variações (como cetogênica paleolítica, mediterrânea ou com restrição calórica). Essa imprecisão nas definições compromete comparações válidas entre os padrões dietéticos.
Viés de seleção de evidências
Um dos pontos centrais do comentário é a crítica ao viés de confirmação observado na revisão de Shah e Iyengar. Segundo os autores, os revisores ignoraram evidências robustas de longo prazo que demonstram a eficácia da KD na perda de peso e controle metabólico, priorizando estudos curtos ou metodologicamente falhos que favorecem as dietas vegetais. Um exemplo citado é o estudo de apenas duas semanas de Hall et al., que teve sua validade questionada em análises subsequentes.
Além disso, os autores apontam que o Women's Health Initiative, frequentemente usado como argumento a favor das dietas com baixo teor de gordura e enriquecidas com vegetais, envolveu intensas intervenções comportamentais, dificultando isolar o efeito da dieta em si.
Efeitos bioquímicos mal interpretados
Outro ponto abordado refere-se à comparação entre o butirato (produzido pela fermentação de fibras) e o β-hidroxibutirato (um corpo cetônico) quanto à inibição de histona deacetilases. Shah e Iyengar sugerem maior eficácia do butirato, mas os autores do comentário lembram que as concentrações séricas de butirato são muito inferiores às de β-hidroxibutirato em dietas cetogênicas. Isso levanta dúvidas sobre a relevância clínica do argumento.
Também é criticada a interpretação de estudos pré-clínicos que sugerem efeitos pró-tumorais dos corpos cetônicos. Os autores observam que esses achados não foram replicados em estudos clínicos com pacientes oncológicos e que o jejum — uma condição que eleva os corpos cetônicos — está associado a efeitos anticancerígenos.
Falhas em diretrizes institucionais
O comentário também critica diretrizes como as da Sociedade Alemã de Nutrição (DGE), que passaram a recomendar dietas baseadas em plantas com alto teor de carboidratos e baixa ingestão de carne (apenas 4% das calorias diárias), priorizando critérios ambientais e sociais em detrimento da saúde metabólica. Os autores veem essa mudança como reflexo de uma narrativa ideológica, não científica.
Conclusão
Os autores concluem que, embora as dietas vegetais e cetogênicas possam coexistir como estratégias alimentares, a discussão deve ser pautada por evidências robustas, e não por narrativas populares ou diretrizes influenciadas por fatores não clínicos. Ressaltam que a composição corporal — fator fortemente influenciado por dieta e exercício — tem impacto decisivo na prevenção e tratamento do câncer. E, nesse aspecto, a dieta cetogênica apresenta uma das bases pré-clínicas mais sólidas disponíveis atualmente.
Eles alertam que a promoção acrítica de dietas baseadas em plantas, somada à desconfiança infundada sobre as cetogênicas, pode privar pacientes oncológicos de uma alternativa potencialmente benéfica para a melhora da composição corporal, da qualidade de vida e, possivelmente, dos desfechos terapêuticos.