Cetogênese induzida pelo jejum aumenta a sensibilidade bacteriana ao tratamento com antibióticos


Um estudo publicado na revista Cell Metabolism investigou como o estado metabólico do hospedeiro — particularmente a cetogênese induzida pelo jejum — pode influenciar a eficácia dos antibióticos no combate a infecções bacterianas. Intitulado "Fasting-induced ketogenesis sensitizes bacteria to antibiotic treatment", o trabalho apresenta evidências de que a cetona β-hidroxibutirato (BHB), principal produto da cetogênese, pode tornar bactérias mais vulneráveis à ação de antibióticos, abrindo uma nova perspectiva terapêutica baseada em manipulação metabólica.

Contexto e hipótese do estudo

Os pesquisadores partem da observação de que estados metabólicos do hospedeiro impactam diretamente a resposta imunológica e a microbiota. Estudos anteriores já indicavam que o jejum poderia modular a resposta inflamatória, mas a relação direta entre metabolismo cetogênico e sensibilidade bacteriana a antibióticos permanecia obscura.

A hipótese central do estudo foi de que a cetogênese — e, mais especificamente, o aumento nos níveis de β-hidroxibutirato durante o jejum — poderia influenciar a eficácia de antibióticos, tornando patógenos como Escherichia coli mais sensíveis ao tratamento.

Resultados principais

O estudo utilizou modelos murinos infectados com cepas de E. coli multirresistentes e demonstrou que, sob jejum, a cetogênese foi acentuada e os níveis de BHB aumentaram significativamente. Quando esses animais foram tratados com antibióticos, observou-se uma redução muito mais eficaz da carga bacteriana em comparação com os animais alimentados ad libitum.

Em testes in vitro, os pesquisadores confirmaram que a presença de BHB no meio de cultura aumentava a suscetibilidade bacteriana a antibióticos como gentamicina e ciprofloxacino. A sensibilidade aumentada foi atribuída à capacidade do BHB de gerar estresse oxidativo intracelular nas bactérias, comprometendo seus mecanismos de defesa e facilitando a ação dos antibióticos.

Mecanismo bioquímico proposto

A análise molecular mostrou que o BHB promove um aumento na produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) nas bactérias. Esse aumento do estresse oxidativo causa disfunções em vias essenciais de sobrevivência bacteriana, especialmente em condições já comprometidas pela ação dos antibióticos.

Além disso, o estudo demonstrou que mutantes bacterianos com menor capacidade de mitigar estresse oxidativo (por exemplo, mutações em genes reguladores como soxR) apresentaram sensibilidade ainda maior quando expostos ao BHB, o que corrobora o papel central do estresse oxidativo na interação entre cetonas e antibióticos.

Implicações clínicas e terapêuticas

Os achados deste estudo sugerem uma nova abordagem para potencializar o efeito de antibióticos, especialmente em infecções resistentes. A indução de cetose por jejum ou dietas cetogênicas poderia ser uma estratégia complementar ao tratamento convencional, aumentando a eficácia dos antibióticos mesmo contra cepas difíceis de tratar.

Entretanto, os autores ressaltam que os resultados foram obtidos em modelos animais e experimentos in vitro. Ainda são necessárias investigações clínicas para determinar a segurança e eficácia da indução de cetose como coadjuvante terapêutico em humanos.

Considerações finais

O estudo destaca o papel do metabolismo do hospedeiro como modulador ativo da resposta a infecções. A cetogênese, anteriormente considerada apenas como uma adaptação energética em períodos de jejum, surge aqui como uma aliada potencial no combate à resistência bacteriana, sinalizando um campo promissor de pesquisa translacional entre metabolismo, imunologia e infectologia.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.cmet.2025.04.006

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