Um estudo recente publicado na Frontiers in Cardiovascular Medicine trouxe resultados que desafiam a compreensão tradicional sobre o papel do colesterol LDL na saúde cardiovascular, especialmente em pessoas com diabetes mellitus. Ao analisar dados de mais de 1,3 milhão de pacientes coreanos com diabetes, os pesquisadores identificaram que reduções nos níveis de colesterol LDL, em indivíduos que não utilizavam estatinas, estiveram associadas a maior risco de mortalidade por todas as causas e também a maior incidência de parada cardíaca súbita (SCA).
Metodologia e delineamento do estudo
O estudo utilizou os dados do sistema nacional de seguro saúde da Coreia do Sul, que cobre praticamente toda a população do país. Foram incluídos pacientes diagnosticados com diabetes mellitus entre 2009 e 2012 e que realizaram novo exame de triagem após quatro anos. A amostra final incluiu 1.329.982 indivíduos com acompanhamento até dezembro de 2018.
Os participantes foram divididos conforme o uso de estatinas e a variação dos níveis de LDL no intervalo de quatro anos. Os grupos foram classificados como:
- Redução significativa de LDL: diminuição maior que 30 mg/dL;
- LDL estável: variação dentro de ±30 mg/dL;
- Aumento de LDL: elevação maior que 30 mg/dL.
Resultados principais
Nos indivíduos sem uso de estatinas, aqueles que apresentaram queda nos níveis de LDL foram justamente os que mais morreram durante o acompanhamento (taxa de 16,4 por 1.000 pessoas/ano). Após ajustes para múltiplas variáveis (idade, comorbidades, hábitos de vida), esse grupo teve um risco 25,9% maior de mortalidade (HR ajustado: 1,26; IC 95%: 1,21–1,31). Para quedas de LDL superiores a 50 mg/dL, o risco aumentou ainda mais: 45,8% maior (HR: 1,46; IC 95%: 1,38–1,54).
O risco de parada cardíaca súbita também foi significativamente mais alto nos que tiveram queda de LDL sem uso de estatinas (incidência de 1,9 por 1.000 pessoas/ano; HR ajustado: 1,21; IC 95%: 1,10–1,34).
Já entre os usuários de estatinas, o cenário foi diferente: não houve aumento de mortalidade ou de eventos cardíacos súbitos nos que apresentaram redução do LDL. Curiosamente, nesses pacientes, os piores desfechos foram observados naqueles com aumento dos níveis de LDL, sugerindo que o uso da medicação exerce papel modificador dos efeitos adversos associados ao colesterol.
Interpretação dos achados
A associação entre queda do LDL e mortalidade, especialmente na ausência de estatinas, pode refletir condições subjacentes como desnutrição, doenças crônicas graves (como câncer, doenças hepáticas ou renais) ou declínio imunológico. O estudo aponta que o colesterol sérico pode ter função protetora, ajudando no combate a infecções e na modulação do sistema imune. Nesse contexto, a redução do LDL pode não ser a causa direta da mortalidade, mas sim um marcador de fragilidade clínica.
Importante destacar que mesmo após ajustar o modelo estatístico para índice de massa corporal e outras variáveis nutricionais, o aumento de mortalidade persistiu, o que sugere que outros mecanismos também podem estar envolvidos.
Implicações clínicas
Esses resultados reforçam a importância de se avaliar contextualmente os níveis de colesterol LDL, especialmente em pacientes com diabetes que não fazem uso de estatinas. A simples redução do LDL não deve ser interpretada automaticamente como sinal de melhora metabólica. Ao contrário, pode ser um indicativo de deterioração clínica silenciosa.
Apesar de estatinas serem eficazes na prevenção de eventos cardiovasculares, seu impacto na mortalidade por todas as causas ainda é controverso, com ensaios clínicos e metanálises mostrando resultados variáveis. Assim, a decisão de iniciar ou manter tratamento deve ser individualizada, considerando não apenas metas laboratoriais, mas o estado geral de saúde do paciente.
Considerações finais
Em resumo, o estudo aponta que, em pessoas com diabetes mellitus não tratadas com estatinas, uma redução nos níveis de colesterol LDL ao longo do tempo pode estar associada a maior risco de morte e parada cardíaca súbita. Essa relação, no entanto, não foi observada em indivíduos que utilizavam estatinas. A queda do LDL, nesse contexto, pode funcionar como um alerta clínico para investigação de causas ocultas, como desnutrição, doenças crônicas ou imunossupressão.
O estudo não questiona o uso de estatinas em prevenção cardiovascular, mas convida à cautela na interpretação isolada dos níveis de colesterol em pacientes vulneráveis.