O consumo de uma dieta rica em gordura e açúcar está associado a pior desempenho em navegação espacial em ambiente virtual


Durante muito tempo, os efeitos de uma alimentação rica em gordura saturada e açúcares refinados foram associados principalmente ao ganho de peso e ao aumento do risco de doenças metabólicas e cardiovasculares. No entanto, um estudo recente publicado no International Journal of Obesity amplia esse entendimento ao demonstrar que esse tipo de dieta também pode prejudicar habilidades cognitivas, em especial a navegação espacial — a capacidade de se localizar e lembrar rotas em um ambiente tridimensional.

O experimento, conduzido por pesquisadores da Universidade de Sydney, utilizou a realidade virtual para avaliar como a alimentação afeta a habilidade de jovens adultos navegarem por um labirinto digital. Ao contrário de estudos anteriores que usavam tarefas abstratas ou visões aéreas simplificadas, esta pesquisa exigia que os participantes se movessem em primeira pessoa por um ambiente virtual complexo, usando pontos de referência e memória espacial — uma simulação mais fiel ao mundo real.

Cinquenta e cinco estudantes participaram da fase final do experimento. Eles primeiro passaram por um treinamento em que deveriam encontrar um baú do tesouro no labirinto. Em seguida, realizaram uma prova de memória espacial em que os caminhos foram ocultos, restando apenas os pontos de referência visuais do ambiente. Os resultados foram claros: quanto maior o consumo de alimentos ricos em gordura e açúcar, pior o desempenho na tarefa de navegação.

Para medir a dieta, os participantes responderam a um questionário validado, o DFS (Dietary Fat and Free Sugar), que avaliava o consumo de alimentos ricos em gordura e açúcar nos últimos 12 meses. A pontuação foi então relacionada ao desempenho nas tarefas espaciais. Mesmo após controlar fatores como índice de massa corporal (IMC) e memória de trabalho — através de um teste de repetição de números ao contrário —, os pesquisadores encontraram uma associação significativa entre altas pontuações no questionário e menor precisão na navegação espacial.

A análise mostrou que os participantes com maior consumo desses alimentos apresentaram curvas de aprendizado mais “planas”, ou seja, tiveram menos progresso ao longo do treinamento. Além disso, no teste final — no qual era necessário lembrar a localização do baú com base apenas em pontos de referência visuais — esses indivíduos terminaram significativamente mais distantes do local correto em comparação com os que consumiam menos gordura e açúcar.

Esses resultados ecoam descobertas de estudos anteriores em animais, nos quais dietas ricas em gordura e açúcar causaram déficits seletivos na função do hipocampo, uma região cerebral crítica para memória espacial. Em ratos, por exemplo, déficits na capacidade de lembrar locais foram observados após apenas alguns dias de exposição a esse tipo de alimentação, mesmo antes de qualquer alteração significativa no peso corporal.

Os autores destacam que a deterioração cognitiva observada não está necessariamente ligada ao excesso de peso, e sim à qualidade da dieta em si. Essa distinção é crucial, pois sugere que mesmo indivíduos com peso corporal normal podem sofrer impactos negativos no funcionamento cerebral devido à alimentação.

Outro ponto importante abordado no artigo é a possibilidade de um ciclo vicioso: uma dieta ruim prejudica o funcionamento do hipocampo, o que pode comprometer a capacidade de autorregulação e memória relacionada à alimentação, levando a um consumo ainda maior de alimentos prejudiciais. Embora essa hipótese ainda precise ser confirmada por estudos experimentais em humanos, ela é respaldada por evidências sólidas obtidas em modelos animais.

O estudo também levanta a necessidade de considerar a cognição como parte essencial da saúde geral, especialmente em uma era marcada por alta disponibilidade de alimentos ultraprocessados. Além de combater a obesidade e doenças crônicas, políticas de saúde pública e educação alimentar deveriam também enfatizar os benefícios cognitivos de uma dieta equilibrada.

Com o avanço das tecnologias de realidade virtual e o seu uso crescente em pesquisas, novas portas se abrem para estudos mais precisos sobre como fatores ambientais e comportamentais influenciam a mente humana. Esta investigação pioneira representa um passo importante nesse sentido, revelando que as escolhas alimentares cotidianas podem impactar muito mais do que o espelho revela — elas também moldam a forma como o cérebro percebe, navega e interage com o mundo ao redor.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41366-025-01776-8

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