Metabolismo de carboidratos fetal alterado em crianças com transtorno do espectro autista


No cenário das pesquisas sobre o transtorno do espectro autista (TEA), a busca por marcadores precoces e eficazes de risco tem sido uma das frentes mais desafiadoras e promissoras. Apesar dos avanços no diagnóstico precoce e na identificação genética, os biomarcadores definitivos que possam predizer o desenvolvimento de TEA ainda são escassos. Nesse contexto, o estudo conduzido por Serena Gumusoglu e colaboradores lança luz sobre uma abordagem inovadora: a análise metabolômica do sangue do cordão umbilical.

Neste estudo, os pesquisadores analisaram 52 amostras de plasma de cordão umbilical – 16 de bebês que, mais tarde, foram diagnosticados com TEA idiopático e 36 de controles neurotípicos – utilizando cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS). O objetivo era investigar se existiam padrões metabólicos específicos presentes desde o nascimento que pudessem estar associados ao risco de TEA.

O resultado foi revelador: 20 metabólitos apresentaram diferenças significativas entre os dois grupos, sendo 10 aumentados e 10 diminuídos nas crianças que mais tarde desenvolveriam TEA. O que chamou a atenção foi a identificação, por meio de análise de enriquecimento de conjuntos de metabólitos (MSEA), de perturbações relevantes nos caminhos metabólicos ligados ao metabolismo de carboidratos – especialmente relacionados à degradação de frutose e manose, metabolismo da galactose e da glicose.

Entre os metabólitos destacados estavam Frutose 6-fosfato, D-Manose e D-Frutose, todos aumentados nas amostras associadas ao TEA. Esses três compostos, quando utilizados em um modelo de previsão com aprendizado de máquina (Random Forest), alcançaram uma área sob a curva (AUC) de 0,766, o que sugere um bom potencial como ferramenta preditiva.

Esse achado é particularmente relevante à luz de pesquisas anteriores que relacionam distúrbios no metabolismo da glicose e frutose — como diabetes gestacional e dietas maternas ricas em açúcar — ao risco aumentado de desenvolvimento de TEA. Estudos pré-clínicos corroboram essa ligação, indicando que dietas ricas em açúcar durante a gestação podem provocar alterações no comportamento e no metabolismo cerebral da prole semelhantes às observadas em modelos animais de autismo.

Além disso, o estudo de Gumusoglu et al. se destaca por ter analisado casos idiopáticos de TEA, ou seja, não relacionados a síndromes genéticas conhecidas, o que reforça a possibilidade de que fatores ambientais intrauterinos possam ter papel significativo no desencadeamento do transtorno.

Embora limitado pelo número reduzido de amostras e pela falta de uma coorte de validação independente, o estudo oferece um passo promissor para futuras pesquisas. As implicações práticas são vastas: o uso de metabolômica em amostras acessíveis como o sangue do cordão pode representar um avanço na triagem neonatal, contribuindo para intervenções mais precoces e eficazes.

Em suma, os resultados apontam para um novo entendimento do papel do metabolismo fetal na origem do TEA e reforçam a necessidade de se considerar o ambiente intrauterino — incluindo dieta materna e saúde metabólica — como elementos-chave no risco do transtorno. Essa abordagem integrada pode ser a chave para estratégias mais eficientes de prevenção e diagnóstico precoce, beneficiando tanto os indivíduos quanto as famílias afetadas.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s11689-025-09601-z

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