Diretrizes de carboidrato para jogadores de futebol: evidências insuficientes para recomendações robustas


Ao longo das últimas décadas, as diretrizes nutricionais destinadas a jogadores de futebol profissional têm enfatizado a ingestão de carboidratos como base para otimização do desempenho. Contudo, ao se examinar criticamente a qualidade das evidências que sustentam essas recomendações, especialmente no que diz respeito à ingestão obrigatória de altas quantidades de carboidrato, surgem dúvidas importantes sobre a solidez científica desse paradigma.

Um levantamento abrangente publicado em 2025 realizou uma revisão de escopo e auditoria sistemática da literatura específica sobre futebol e ingestão de carboidratos. O objetivo foi mapear as lacunas de conhecimento que moldam as orientações nutricionais atuais. O estudo identificou 258 publicações relevantes, sendo que a maior parte dos dados disponíveis advém de estudos experimentais laboratoriais (36%) e observacionais de campo (33%). Apenas uma fração desses estudos envolveu jogadores profissionais, e menos ainda, atletas de elite mundial.

A base frágil das recomendações atuais

As diretrizes mais recentes, endossadas pela UEFA em 2020, sugerem que jogadores de futebol consumam entre 3 e 8 g de carboidrato por quilo de peso corporal ao dia, ajustando essa ingestão conforme as demandas do treino, cronograma de jogos e objetivos individuais. No entanto, essas recomendações não se apoiam majoritariamente em ensaios clínicos randomizados com atletas profissionais. Em vez disso, são fruto da interpretação de dados indiretos, combinada com a experiência de profissionais da área.

Essa falta de evidência direta levanta uma questão crítica: seria mesmo necessário manter um consumo elevado de carboidratos em todas as situações para garantir o desempenho? O amplo intervalo de ingestão recomendado (3 a 8 g/kg/dia) já sinaliza a flexibilidade — e, possivelmente, a incerteza — sobre a quantidade ideal.

O descompasso entre pesquisa e prática

É notável que muitos jogadores, tanto homens quanto mulheres, não seguem as recomendações vigentes de ingestão de carboidratos, principalmente em dias que antecedem as partidas. Isso sugere que, além de uma possível inadequação das recomendações, há fatores culturais, comportamentais e contextuais que afetam a adesão. A análise propõe, inclusive, o uso de modelos como o COM-B (Capacidade-Oportunidade-Motivação-Comportamento) para investigar as causas dessa desconexão.

Além disso, observa-se uma tendência preocupante de valorização acadêmica de revisões narrativas em detrimento de pesquisas originais, o que pode desestimular a produção de evidências de alta qualidade que sustentem mudanças de prática.

Populações mal representadas

Outro ponto crítico é a representatividade das amostras estudadas. Apenas 16% dos participantes eram do sexo feminino, e a maioria dos estudos experimentais foi conduzida com indivíduos recreacionalmente ativos ou universitários — e não com atletas profissionais. Entre os estudos experimentais, apenas oito foram conduzidos exclusivamente com jogadores profissionais, e nenhum envolveu atletas de elite mundial. Isso compromete a aplicabilidade das diretrizes atuais a esse grupo de alto rendimento.

Conclusão: menos prescrição, mais personalização

Diante dessas limitações, a principal mensagem que emerge é a necessidade de cautela na aplicação universal de recomendações de alto consumo de carboidratos para jogadores de futebol. A ausência de evidência robusta específica para atletas de elite exige que os profissionais da nutrição esportiva adotem uma abordagem mais individualizada, sensível às particularidades do atleta, fase da temporada, contexto do jogo e objetivos específicos.

Ao invés de impor diretrizes amplas com base em dados limitados, o campo da nutrição esportiva em futebol deve priorizar o desenvolvimento de estudos de campo com desenho rigoroso, especialmente em populações profissionais e femininas, para fundamentar práticas realmente baseadas em evidências.

Fonte: https://doi.org/10.1007/s40279-025-02224-3

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