As sociedades modernas, por meio da fortificação alimentar e avanços no conhecimento nutricional, conseguiram praticamente erradicar doenças como o raquitismo, tradicionalmente associadas à deficiência de vitamina D e cálcio. No entanto, novas tendências alimentares, como o veganismo estrito sem suplementação adequada, vêm reintroduzindo riscos nutricionais que pareciam superados. Um estudo recente publicado no Urology Case Reports relata um caso emblemático: uma criança de três anos, alimentada exclusivamente com uma dieta vegana sem suplementação, que desenvolveu raquitismo calcipênico, falha no crescimento e nefrolitíase.
Um caso alarmante de deficiência nutricional
A paciente foi internada em estado grave, com insuficiência respiratória aguda e sinais de atraso no desenvolvimento motor e linguístico. Análises laboratoriais revelaram níveis criticamente baixos de vitamina D, cálcio e fósforo, além de hiperparatireoidismo secundário — uma resposta do organismo à deficiência de cálcio. As imagens ósseas mostraram sinais típicos de raquitismo, como osteopenia difusa e alterações nas placas de crescimento, além de uma fratura na clavícula. Além disso, um ultrassom renal revelou a presença de um cálculo de 7 mm, que acabou sendo eliminado espontaneamente durante a hospitalização.
O estado clínico da criança evoluiu para complicações adicionais, como trombose de cateter e síndrome da realimentação, exigindo suporte nutricional via gastrostomia e ventilação prolongada por traqueostomia.
Entendendo as raízes do problema
O raquitismo, embora hoje raro nos países desenvolvidos, ainda pode surgir quando há deficiência grave de vitamina D ou cálcio, nutrientes fundamentais para a mineralização óssea. O estudo destaca que dietas estritamente baseadas em plantas são naturalmente pobres em vitamina D, cálcio e vitamina B12 — nutrientes essenciais que não podem ser adequadamente supridos sem suplementação.
Apesar de a disponibilidade de suplementos e alimentos fortificados nos Estados Unidos ser ampla, a ausência de acompanhamento médico e a adesão rígida a práticas alimentares sem suporte científico criaram um cenário de grave desnutrição. A literatura científica já alerta que, sem planejamento criterioso, dietas veganas em crianças podem levar a deficiências nutricionais severas, como demonstrado em análises recentes que comparam dietas veganas e onívoras em crianças.
As particularidades da nefrolitíase no contexto vegano
Outro ponto relevante abordado é a formação do cálculo renal. Em condições normais, o cálcio dietético se liga ao oxalato no intestino, prevenindo sua absorção. Quando a ingestão de cálcio é baixa — como em dietas veganas não suplementadas —, o oxalato é absorvido em excesso, aumentando o risco de formação de cálculos de oxalato de cálcio. A literatura revisada pelos autores sugere ainda que a ausência de produtos lácteos, comuns em dietas veganas, também pode aumentar o risco de formação de cálculos de ácido úrico.
A importância da educação e da orientação médica
Este caso reforça a necessidade urgente de educação em saúde pública sobre os riscos de dietas restritivas sem suplementação adequada, especialmente para populações pediátricas. Organizações como a Academia Americana de Pediatria (AAP) recomendam fortemente a suplementação de vitamina D e B12 para crianças veganas, além da avaliação individualizada para outros nutrientes essenciais. Entretanto, ainda há divergências internacionais: enquanto algumas sociedades nutricionais consideram a dieta vegana viável na infância com suplementação rigorosa, outras — especialmente na Europa — recomendam que não se adote o veganismo para crianças.
O caso também alerta para consequências que vão além da desnutrição e do raquitismo, como a predisposição a complicações urológicas que podem gerar infecções urinárias e lesão renal aguda.
Conclusão
A história dessa criança destaca que, embora o veganismo possa ser praticado de maneira relativamente segura em adultos bem orientados, sua implementação em crianças requer extremo cuidado, suplementação obrigatória e acompanhamento médico contínuo. A falta de atenção a essas necessidades básicas pode levar a consequências graves e potencialmente fatais.
É fundamental que profissionais de saúde, educadores e responsáveis por crianças estejam plenamente conscientes dos riscos envolvidos e das medidas necessárias para garantir o desenvolvimento saudável de crianças sob dietas restritivas.