Associações entre gorduras saturadas de laticínios e a composição corporal de crianças canadenses


O consumo de laticínios na infância sempre esteve no centro de discussões entre profissionais de saúde, pais e formuladores de políticas públicas. De um lado, reconhece-se a importância nutricional desses alimentos como fontes ricas de cálcio, proteínas de alta qualidade e vitaminas essenciais. Do outro, persiste o receio de que as versões integrais, por conterem gorduras saturadas, possam contribuir para o aumento da obesidade infantil. Um novo estudo canadense lança luz sobre esse dilema, ao investigar se a gordura saturada proveniente de alimentos lácteos específicos — como leite, queijo e iogurte — está associada à composição corporal de crianças pequenas.

O estudo, conduzido pelo Guelph Family Health Study e publicado em 2025, analisou dados de 267 crianças entre 1,5 e 5 anos. Os pesquisadores usaram recordatórios alimentares de 24 horas preenchidos pelos pais para estimar a ingestão de gordura saturada de laticínios, padronizada por 1000 kcal consumidas. A gordura saturada foi separada por tipo de alimento: leite, queijo e iogurte. Os indicadores de composição corporal avaliados foram: escore z do índice de massa corporal (BMIz), índice de massa gorda (FMI) e razão cintura-estatura (WHtR).

Os resultados foram surpreendentes para aqueles que ainda consideram a gordura saturada de laticínios um vilão. O estudo não encontrou associação significativa entre o consumo total de gordura saturada de laticínios e qualquer um dos desfechos de composição corporal. Isso inclui especificamente a gordura saturada derivada do leite, que também não mostrou impacto relevante. Em contrapartida, a gordura saturada proveniente do queijo apresentou uma associação positiva marginal com o BMIz — ou seja, um leve aumento no índice de massa corporal padronizado — mas o valor foi pequeno demais para se considerar biologicamente relevante. Mais interessante foi o achado em relação ao iogurte: a gordura saturada vinda desse alimento se associou de forma inversa ao índice de massa gorda, sugerindo um possível efeito protetor contra o acúmulo de gordura.

Esses achados corroboram uma literatura emergente que desafia a visão tradicional sobre a gordura saturada dos laticínios. Estudos recentes têm apontado que o "efeito matriz" — ou seja, a interação entre os diferentes nutrientes e compostos bioativos presentes nos laticínios integrais — pode neutralizar ou até reverter possíveis impactos negativos da gordura saturada. A fermentação, no caso do iogurte e do queijo, também pode desempenhar um papel importante ao modular a microbiota intestinal e influenciar o metabolismo lipídico de maneira favorável.

Além disso, os dados não sugerem que substituir laticínios integrais por versões desnatadas traga benefícios claros à saúde corporal de crianças pequenas. Em estudos anteriores conduzidos com crianças australianas, a substituição de produtos integrais por versões com baixo teor de gordura não resultou em mudanças significativas em medidas como BMIz ou FMI.

A relevância prática desse estudo é significativa. As diretrizes alimentares canadenses atuais ainda recomendam que crianças com mais de dois anos consumam versões com baixo teor de gordura dos laticínios como forma de reduzir a ingestão de gordura saturada. No entanto, os resultados apresentados reforçam a necessidade de reavaliar essas recomendações. A inclusão de laticínios integrais pode ser perfeitamente compatível com uma alimentação saudável, especialmente na infância, uma fase crítica para o crescimento e o desenvolvimento.

Em conclusão, este estudo traz evidências de que a gordura saturada, quando proveniente de alimentos lácteos como o iogurte e o queijo, pode não representar o risco frequentemente alardeado. Pelo contrário, em alguns casos, pode até estar associada a melhores indicadores de composição corporal. Essa constatação reabre o debate sobre a verdadeira natureza dos alimentos integrais e a importância de se considerar o alimento como um todo — e não apenas seus nutrientes isoladamente — ao formular políticas públicas de alimentação infantil.

Fonte: https://doi.org/10.3148/cjdpr-2025-009

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