A Síndrome do Ovário Policístico (SOP) é muito mais do que um distúrbio moderno relacionado ao estilo de vida. De acordo com o artigo publicado por Dumesic, Padmanabhan e Abbott em 2025, suas raízes estão profundamente entrelaçadas com nossa evolução. A SOP é descrita como uma adaptação metabólica ancestral que, em tempos de escassez alimentar, favorecia a sobrevivência e a reprodução de nossas antepassadas.
Durante o Pleistoceno, a escassez de alimentos selecionou indivíduos capazes de acumular gordura eficientemente e apresentar resistência à insulina — mecanismos fundamentais para garantir energia suficiente para o funcionamento do cérebro e para a capacidade reprodutiva. Nesse contexto, características como o acúmulo preferencial de gordura abdominal, resistência à insulina e produção elevada de andrógenos, hoje associadas à SOP, eram na verdade vantagens adaptativas.
Mulheres com características típicas da SOP, mesmo com peso normal, apresentavam células-tronco adiposas subcutâneas programadas para um acúmulo exagerado de gordura. Essa configuração permitia a liberação constante de glicose e ácidos graxos livres, proporcionando substrato energético para tecidos como o cérebro e os músculos em tempos de jejum prolongado. O aumento da força muscular e a tendência à oligoanovulação também eram vantajosos: proporcionavam resistência para atividades de longa duração e mais tempo para cuidar dos filhos, reduzindo o risco de mortalidade materna.
A pesquisa destaca que a resistência seletiva à insulina nas mulheres com SOP atua de maneira estratégica: enquanto a captação de glicose no músculo esquelético é reduzida (favorecendo a força muscular), no ovário ela permanece ativa para estimular a produção de andrógenos. Já a gordura intra-abdominal — altamente lipolítica — contribui para o fornecimento constante de energia para o fígado e músculos.
No ambiente atual, no entanto, essas adaptações se tornaram desvantajosas. O excesso de gordura abdominal, combinado com dietas ricas em açúcares e sedentarismo, favorece a lipotoxicidade — acúmulo de gordura em órgãos como fígado, músculos e pâncreas —, aumentando o risco de resistência à insulina, diabetes tipo 2 e complicações na gravidez.
Ainda assim, entender a SOP sob uma ótica evolutiva transforma o modo como encaramos essa condição. Em vez de ser apenas uma patologia a ser combatida, a SOP representa a herança de mecanismos que foram cruciais para a nossa sobrevivência. Essa perspectiva também reforça a necessidade de estratégias preventivas que respeitem essa herança metabólica, como abordagens de estilo de vida que controlem a deposição de gordura e favoreçam a função metabólica saudável.
O estudo conclui propondo que intervenções precoces, ainda na adolescência, podem modificar a expressão desses traços, minimizando o risco de doenças futuras. Além disso, reforça que mudanças no estilo de vida — como dietas com menor impacto glicêmico, controle do peso e atividades físicas regulares — são essenciais para quebrar o ciclo entre herança genética, epigenética e ambiente obesogênico atual.
A abordagem evolutiva da SOP oferece uma visão revolucionária: as mesmas características que garantiram a sobrevivência no passado hoje exigem adaptações conscientes para preservar a saúde no presente.
Fonte: https://doi.org/10.1530/REP-25-0021
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