Apenas 250g por semana: essa é exatamente a quantidade de carne que você pode comer sem destruir o planeta

O estudo publicado em 2025 na revista Nature Food, intitulado "Diets can be consistent with planetary limits and health targets at the individual level", propôs modelos de alimentação que, segundo seus autores, atenderiam simultaneamente critérios de saúde humana e limites ambientais planetários. No entanto, uma análise crítica fundamentada em evidências científicas sólidas revela importantes fragilidades metodológicas e conceituais que precisam ser consideradas.

1. Dependência Excessiva de Suplementação

Embora o modelo pretenda propor dietas "naturais" e sustentáveis, ele revela que, para atender às necessidades de nutrientes essenciais como vitamina B12 e vitamina D, seria necessário um consumo diário de suplementos em praticamente todas as dietas baseadas em plantas sugeridas. A vitamina B12, por exemplo, não é naturalmente encontrada em plantas em quantidades significativas, sendo abundante apenas em produtos de origem animal, conforme amplamente documentado em estudos de bioquímica nutricional. Depender de suplementação generalizada contraria o princípio básico de uma alimentação naturalmente completa.

2. Redução Nutricional e Perda de Diversidade Alimentar

As dietas propostas apresentam um padrão de consumo altamente limitado e repetitivo, com grande dependência de grãos, sementes e vegetais em alto volume semanal. Esta limitação pode levar a deficiências nutricionais a longo prazo, como a baixa ingestão de proteínas de alto valor biológico e a deficiência de micronutrientes como ferro heme e zinco biodisponível, conforme alertado por meta-análises sobre qualidade nutricional de dietas veganas e vegetarianas.

3. Ignora a Adaptação Tecnológica e Regionalização

O modelo assume condições estáticas de produção de alimentos e impactos ambientais, desconsiderando a capacidade da agricultura de evoluir com tecnologias regenerativas, como pastoreio rotacionado adaptativo e melhorias na eficiência hídrica e de emissões. Além disso, a análise é baseada em dados dos Estados Unidos, não incorporando variações locais ou regionais em biodiversidade, capacidade hídrica ou práticas agrícolas tradicionais, um ponto reconhecidamente crítico para a sustentabilidade real.

4. Omissão de Indicadores Ambientais Cruciais

Apesar de abordar alguns impactos ambientais, o estudo não incorpora adequadamente limites de eutrofização de nitrogênio e fósforo (elementos críticos para poluição agrícola) e toxicidade por pesticidas, reconhecidos como ameaças relevantes para a saúde dos ecossistemas. Essa omissão fragiliza a avaliação de que as dietas propostas realmente estariam dentro dos "limites planetários".

5. Fragilidade do Modelo de Compartilhamento Global

O conceito de "distribuição igualitária" dos limites planetários por pessoa, usado para calcular o impacto aceitável por dieta, não reflete realidades práticas. Regiões têm necessidades e capacidades ecológicas muito distintas, e a ausência de adaptação aos limites locais (por exemplo, disponibilidade de água em regiões áridas) compromete a aplicabilidade prática das recomendações.

6. Conflito Entre Saúde e Sustentabilidade em Dietas com Carne

O estudo mostra que, para se manterem dentro dos limites ambientais, as dietas contendo carnes teriam que ser extremamente restritas (apenas 255 g de carne de porco e frango por semana). Contudo, outras revisões sistemáticas apontam que consumos moderados de carnes de qualidade, especialmente de ruminantes criados em sistemas sustentáveis, oferecem vantagens nutricionais superiores, particularmente para a oferta de ferro heme, vitamina B12 e proteínas completas. Esta realidade não é considerada de forma justa no estudo, que generaliza impactos ambientais da carne sem distinguir práticas de produção intensiva versus regenerativa.

Além disso, é importante esclarecer que o gado de corte consome predominantemente forragens, pastagens naturais e subprodutos agrícolas que não são apropriados para consumo humano. Dados da FAO indicam que aproximadamente 86% da alimentação do gado mundial é composta de materiais fibrosos e resíduos que o ser humano não consegue digerir. Assim, o gado transforma recursos não comestíveis em proteínas de alta qualidade.

Quanto ao uso de água, o gado utiliza majoritariamente água de chuva infiltrada no solo, que seria utilizada pelas plantas de qualquer forma. A fração de água realmente retirada de rios e aquíferos (água azul) para dessedentação do gado é mínima em comparação com a agricultura de irrigação voltada para monocultivos como soja e arroz.

7. Trade-offs Não Resolvidos Entre Açúcar e Nutrientes

As dietas modeladas apresentam elevações consideráveis no consumo de açúcar, vindo principalmente de frutas e bebidas fortificadas. Embora tecnicamente dentro dos limites recomendados, esse aumento pode agravar riscos metabólicos em populações já propensas à resistência à insulina e doenças metabólicas, como demonstrado em estudos epidemiológicos recentes.

8. Falha em Contextualizar o Impacto Relativo do Setor Alimentar

O estudo enfatiza mudanças dietéticas como principal meio para reduzir emissões de gases de efeito estufa, mas falha em contextualizar que o setor alimentar, embora relevante (cerca de 25% das emissões globais segundo a FAO e IPCC), não é o principal motor das mudanças climáticas. O setor de transporte responde por cerca de 16% a 20% das emissões globais, enquanto o setor energético como um todo é responsável por 73% das emissões.

9. Equívocos sobre o Metano do Gado

Outro erro conceitual relevante no estudo é a equiparação entre o metano biogênico emitido por bovinos e o CO₂ fóssil emitido por fontes como a aviação. O metano do gado faz parte de um ciclo natural rápido: o carbono absorvido pelas plantas vira alimento para o gado, que emite metano, que após cerca de 10 anos se decompõe em CO₂, sendo reabsorvido pelas plantas. Já o carbono de combustíveis fósseis, como o querosene de aviação, é carbono geológico – retirado da crosta terrestre e adicionado à atmosfera, com efeito cumulativo. Ignorar esta diferença gera distorções graves na avaliação dos impactos.

10. Impactos Não Considerados da Agricultura Convencional

O estudo também negligencia as externalidades negativas massivas da agricultura intensiva vegetal moderna, especialmente nos monocultivos:

  • Uso indiscriminado de pesticidas, que causam a morte de bilhões de insetos, incluindo polinizadores essenciais como abelhas;
  • Altas taxas de mortalidade de pequenos vertebrados (roedores, anfíbios, aves) em campos de cultivo mecanizado;
  • Contaminação de solos, rios e lençóis freáticos por fertilizantes sintéticos e agroquímicos;
  • Degradação de biodiversidade local e destruição de habitats nativos para plantação de culturas comerciais como soja, milho e cana-de-açúcar.

Esses fatores evidenciam que a produção de vegetais em larga escala, especialmente quando baseada em monoculturas industrializadas, não é intrinsecamente mais sustentável do que sistemas pecuários de base regenerativa.

Considerações Finais

Apesar da intenção positiva de alinhar saúde humana e conservação planetária, o estudo apresenta limitações graves que reduzem sua aplicabilidade prática. Dependência de suplementação, desconsideração de práticas agrícolas regenerativas, generalizações sobre impactos da carne, omissões ambientais relevantes, falta de distinção crítica sobre o metano biogênico e negligência dos danos da agricultura intensiva vegetal comprometem a robustez de suas conclusões.

Direções futuras mais realistas para sustentabilidade alimentar exigem considerar diversidade ecológica regional, avanços tecnológicos agrícolas, a contribuição diferenciada dos setores econômicos e o papel insubstituível de alimentos de origem animal de alta qualidade na promoção da saúde humana e da resiliência ambiental.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s43016-025-01133-y


Fonte: https://doi.org/10.1038/s43016-025-01133-y

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