Quando a Gordura no Sangue Vira Sinal de Alerta: o Verdadeiro Papel dos Triglicerídeos (1960)


Quando a Gordura no Sangue Vira Sinal de Alerta: O Que a Ciência Já Sabia em 1960 Sobre Triglicerídeos e o Verdadeiro Risco Cardiovascular

Muito antes das campanhas para "reduzir o colesterol" se tornarem regra nas consultas médicas, uma pesquisadora chamada Margaret J. Albrink já apontava, com base em evidências, que o verdadeiro vilão da saúde cardiovascular poderia ser outro: os triglicerídeos. Em um estudo publicado em 1960, ela analisou a composição do sangue de pacientes com diferentes condições metabólicas e revelou algo surpreendente para a época — o colesterol, por si só, não era o problema central. O padrão de distribuição das gorduras no sangue é que fazia toda a diferença.

O trabalho, realizado na Universidade Yale, partiu de uma observação clínica simples, mas intrigante: em certas pessoas, o soro do sangue apresentava uma aparência leitosa, resultado da alta concentração de partículas chamadas quilomícrons, ricas em triglicerídeos. A questão que Albrink se propôs a responder era: qual é a relação entre a quantidade de triglicerídeos no sangue e o padrão das lipoproteínas que transportam essas gorduras?

O experimento que mudou a perspectiva

Albrink coletou e analisou 26 amostras de sangue de pessoas saudáveis e pacientes com condições como diabetes, xantomas, infarto recente e distúrbios da tireoide. Utilizando técnicas avançadas de ultracentrifugação, ela separou o sangue em diferentes frações de lipoproteínas, variando de acordo com a densidade. Quanto mais leve a fração, maior a concentração de triglicerídeos — exatamente o que se viu nas amostras de pacientes com sangue leitoso.

A análise mostrou que conforme os triglicerídeos aumentavam, o colesterol se redistribuía para partículas de densidade mais baixa e mais perigosas. Quando os triglicerídeos ultrapassavam 6 mEq/L, essas partículas — os chamados quilomícrons “leves” — começavam a acumular a maior parte do colesterol, deixando as frações mais densas quase vazias. Em outras palavras, não era o quanto de colesterol havia no sangue que importava, mas onde esse colesterol estava.

Por que isso importa?

O estudo de 1960 já apontava para uma ideia que só décadas depois começou a ser levada a sério: colesterol em partículas de boa qualidade pode não representar risco — o problema surge quando o ambiente metabólico está alterado, especialmente com triglicerídeos elevados. Isso altera o perfil lipídico do sangue, favorecendo o acúmulo de gordura em partículas grandes, instáveis e de difícil eliminação, altamente associadas à formação de placas nas artérias.

Além disso, Albrink demonstrou que esses padrões lipídicos alterados persistiam horas após a última refeição, ou seja, não eram um efeito passageiro da alimentação, mas sim uma falha no metabolismo da gordura.

Uma visão à frente do seu tempo

Enquanto o foco da medicina permaneceu por décadas em “reduzir o colesterol total”, o trabalho de Albrink já indicava que era a concentração de triglicerídeos e a forma como eles alteram o transporte de gorduras no sangue o que deveria ser o foco da atenção clínica.

Ela propôs que, conhecendo os níveis de triglicerídeos e colesterol, seria possível prever com boa precisão como essas gorduras estão distribuídas nas diferentes lipoproteínas — o que oferece um retrato muito mais fiel do risco cardiovascular do que simplesmente medir o colesterol total.

O que aprendemos com isso?

Mesmo com os avanços da medicina e a chegada de exames mais sofisticados, a lógica proposta em 1960 permanece válida — e, em muitos aspectos, foi confirmada por estudos posteriores. Hoje, sabe-se que:

  • Colesterol em partículas grandes e estáveis não é o principal fator de risco para doenças do coração.
  • Triglicerídeos elevados promovem a formação de partículas pequenas, densas e mais propensas a causar inflamação e placas.
  • Dietas com excesso de açúcares e carboidratos refinados são grandes responsáveis pelo aumento de triglicerídeos, muito mais do que a ingestão de gordura animal.

Conclusão

O estudo de Margaret Albrink foi um marco silencioso que desafiou o pensamento dominante sobre colesterol e doenças do coração. Ela mostrou que o problema não era apenas quanto colesterol havia no sangue, mas como ele era transportado e em que contexto metabólico estava inserido. O verdadeiro sinal de alerta está nos triglicerídeos elevados — que continuam sendo, até hoje, um marcador negligenciado por muitos, mas com enorme poder de previsão sobre a saúde cardiovascular.

Fonte: https://doi.org/10.1172/JCI104281

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