Carnívoros por Necessidade: A Dieta Ancestral dos Povos do Ártico (1577)


No ano de 1577, o navegador inglês Martin Frobisher empreendeu sua segunda viagem rumo ao noroeste desconhecido, na esperança de encontrar uma rota marítima para a Ásia. A bordo de três embarcações, sua expedição chegou até os gelados territórios do atual Ártico canadense. O relato dessa jornada foi feito por Dionyse Settle, um dos integrantes da tripulação, que além de descrever as dificuldades da navegação em mares repletos de gelo, ofereceu um raro testemunho dos costumes dos povos locais. Entre os aspectos mais notáveis está a forma como os nativos se alimentavam — uma dieta composta quase que exclusivamente por alimentos de origem animal.

Ao contrário da dieta europeia da época, que já incluía uma combinação de cereais, leguminosas e vegetais, os povos do Ártico, em especial os inuítes, seguiam uma alimentação essencialmente carnívora. Segundo Settle, esses habitantes consumiam carne crua, gordura, vísceras, sangue aquecido e peixes inteiros — tudo sem qualquer tipo de preparo que envolvesse calor ou temperos. A ausência de vegetação e de solo cultivável fazia com que a dieta dependesse integralmente dos recursos animais disponíveis: focas, peixes, aves marinhas, ursos, lebres e renas. Inclusive, o autor relata que o próprio abastecimento de água potável era escasso, sendo comum o consumo de gelo ou neve como forma de hidratação.

Ainda mais curioso aos olhos dos ingleses, e provavelmente repulsivo à sua sensibilidade cultural, era o hábito de beber o sangue dos animais recém-abatidos, muitas vezes misturado com um pouco de água. Esse comportamento, descrito como "bárbaro", revela na verdade uma estratégia sofisticada de sobrevivência: o sangue, rico em ferro, sódio e outros micronutrientes, substitui com eficiência os minerais que seriam obtidos de forma mais limitada em dietas vegetais. A gordura, por sua vez, era a principal fonte de energia metabólica num ambiente de baixíssimas temperaturas, e não havia qualquer restrição ao seu consumo.

Settle observa ainda que os nativos preparavam poucas peças de caça e que "nenhuma carne era deixada para trás" — incluindo órgãos e partes que não faziam parte da dieta inglesa. Focas eram particularmente valiosas, servindo não só de fonte alimentar, mas também de matéria-prima para roupas, tendas, botes e ferramentas. Os cães, descritos como semelhantes a lobos, eram usados para puxar trenós, mas também acabavam sendo consumidos quando o alimento escasseava.

Outro ponto que chama atenção no relato é a ausência de fermentação ou métodos de conservação elaborados. A carne era geralmente consumida logo após a caça, e o frio intenso fornecia uma espécie de refrigeração natural. Quando havia necessidade de armazenar alimento, os nativos enterravam a carne no gelo ou a secavam ao ar frio.

Sob a ótica moderna, muitos desses hábitos encontram respaldo na ciência nutricional. Dietas baseadas em produtos animais oferecem densidade nutricional elevada, com grande concentração de proteínas completas, vitaminas lipossolúveis (como A, D, E e K2), além de minerais como ferro heme, zinco e B12 — todos essenciais para a manutenção da saúde humana, especialmente em ambientes extremos. Mesmo sem saber, os inuítes adotavam uma dieta metabolicamente eficiente, capaz de sustentar suas funções vitais e desempenho físico sem qualquer dependência de plantas.

Apesar da visão etnocêntrica e muitas vezes preconceituosa que permeia o relato de Settle, seu texto acaba evidenciando uma realidade antropológica incontornável: populações humanas podem prosperar durante séculos — ou milênios — com base em dietas exclusivamente animais. Longe de serem uma aberração, essas sociedades oferecem uma poderosa refutação à ideia de que o consumo de plantas é condição indispensável para a saúde humana.

Assim, o documento não é apenas um marco da exploração britânica, mas também um testemunho ancestral da viabilidade de um estilo de vida carnívoro — vivido na prática, em temperaturas extremas, por homens e mulheres adaptados a um mundo em que carne, gordura e sangue eram os únicos alimentos possíveis, e suficientes.

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