Em 1963, Walter Bloom e Gordon Azar publicaram no Archives of Internal Medicine um estudo pioneiro intitulado Similarities of Carbohydrate Deficiency and Fasting. O objetivo foi investigar se uma dieta totalmente livre de carboidratos reproduziria os efeitos metabólicos iniciais do jejum, em especial a perda de peso rápida, a excreção de eletrólitos e a fadiga. O trabalho comparou duas abordagens: uma dieta artificial baseada em clara de ovo e óleos vegetais e uma dieta composta por alimentos habituais (carne, ovos, bacon, salada e óleo).
A pesquisa foi conduzida em voluntários saudáveis e durou três dias, com adição de carboidratos no quarto dia para observar a resposta imediata do organismo. Embora limitada em tempo e em amostra, a investigação é considerada um marco porque descreveu fenômenos que até hoje são observados nos primeiros dias de dietas cetogênicas ou muito baixas em carboidratos.
Como foram as dietas testadas
Os autores compararam dois esquemas sem carboidratos:
- Dieta fórmula (1.500 kcal, quase sem sal e sem potássio): clara de ovo dialisada como fonte de proteína, óleo de milho ou de amendoim como gordura. Era artificial e de difícil palatabilidade.
- Dieta habitual (2.000 kcal, com sal moderado e vegetais): ovos, bacon, bife, salada de alface, tomate e pepino, acrescidos de óleo como tempero. Este padrão incluía proteínas e gorduras de origem animal, mas também vegetais e óleos vegetais.
Portanto, nenhuma das dietas era composta exclusivamente por alimentos de origem animal. A fórmula usava gordura vegetal, e a dieta habitual incluía vegetais na salada.
Resultados principais
- Perda de peso: ambos os grupos perderam cerca de 1 kg por dia nos três primeiros dias, semelhante ao que ocorre no jejum. Essa perda, contudo, estava relacionada principalmente à excreção de água e sódio, não à redução imediata de gordura corporal.
- Excreção de sódio: tanto na dieta fórmula quanto na dieta habitual ocorreu balanço negativo de sódio, ou seja, maior excreção do que ingestão. Esse padrão foi revertido rapidamente quando carboidratos foram reintroduzidos no quarto dia.
- Excreção de potássio: no grupo da dieta fórmula, que continha pouquíssimo potássio, observou-se perda acentuada desse mineral, mesmo sem queda relevante nos níveis sanguíneos — o corpo mobilizou potássio intracelular para manter a estabilidade. Já no grupo da dieta habitual, que recebia vegetais e tinha maior aporte de potássio, o balanço foi próximo do equilíbrio.
- Sintomas clínicos: todos os voluntários relataram fadiga significativa e hipotensão postural (queda da pressão ao levantar-se) a partir do segundo ou terceiro dia. Esses sintomas desapareceram rapidamente após a ingestão de carboidratos.
Interpretação histórica
Na época, os autores concluíram que a ausência de carboidratos, e não a falta de calorias, era o fator determinante para:
- perda de peso rápida,
- excreção de sódio,
- fadiga.
Assim, tanto no jejum quanto em dietas sem carboidratos, o corpo passava pelo mesmo estado metabólico: produção predominante de energia a partir de gordura e proteína, acompanhada de natriurese.
Comparação entre as duas dietas
- Dieta fórmula: provocou maior desequilíbrio de potássio devido à ausência quase total desse mineral. Foi menos tolerada pelos participantes.
- Dieta habitual: mostrou-se mais prática, pois manteve equilíbrio melhor de potássio e ainda assim produziu os mesmos efeitos metabólicos principais (natriurese, fadiga e perda de peso rápida).
Portanto, a dieta habitual foi mais benéfica em termos de equilíbrio eletrolítico, embora ambas tenham reproduzido o padrão do jejum.
Evidências modernas e a fase de adaptação
Hoje, com o avanço das pesquisas em dietas cetogênicas, entende-se que os efeitos negativos descritos em 1963 representam, na verdade, uma fase normal de adaptação. Esse período transitório, chamado popularmente de “gripe da cetose” (keto flu), inclui sintomas como tontura, fadiga, dor de cabeça, hipotensão e câimbras nos primeiros 3 a 7 dias após a redução drástica de carboidratos.
Esses sinais não indicam dano, mas sim:
- Liberação de água e sódio: quando a insulina cai, os rins excretam mais sódio e água.
- Queda da pressão arterial: consequência direta da natriurese.
- Ajuste na oferta de glicose: a produção endógena de glicose (via gliconeogênese) leva alguns dias para se equilibrar com as necessidades do sistema nervoso central e dos músculos.
Com ingestão adequada de sal, potássio e magnésio, a maioria desses sintomas é amenizada ou desaparece mais rápido.
Estudos de longo prazo em dietas cetogênicas, como o Virta Health Study (Hallberg et al., 2018, 2020), demonstraram que após a fase inicial de adaptação, o corpo atinge um novo estado de equilíbrio sem prejuízos. Pelo contrário, pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica apresentaram:
- melhor controle glicêmico,
- redução de peso e triglicerídeos,
- aumento do HDL,
- melhora da sensibilidade à insulina.
Isso mostra que os sintomas observados no curto prazo em 1963 são temporários e fazem parte do processo natural de transição metabólica.
Conclusão
O estudo de Bloom e Azar demonstrou, pela primeira vez, que a simples ausência de carboidratos na dieta reproduz as respostas iniciais do jejum: perda rápida de peso por excreção de água e sódio, fadiga e hipotensão. Embora esses achados tenham parecido negativos, hoje se sabe que eles representam uma fase adaptativa normal, que se resolve em poucos dias quando a dieta é bem formulada.
Comparando os dois modelos testados, a dieta habitual com carne, ovos e vegetais mostrou-se mais equilibrada em eletrólitos do que a fórmula artificial baseada em clara de ovo e óleos vegetais. O ponto central, porém, é que nenhum desses efeitos representava um dano permanente. As evidências modernas confirmam que, após a adaptação, o organismo entra em um novo estado estável, com benefícios consistentes em saúde metabólica quando a estratégia é aplicada de forma adequada e acompanhada profissionalmente.
Fonte: https://doi.org/10.1001/archinte.1963.03860030087006
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