Este estudo piloto, publicado na Translational Psychiatry, investigou se uma dieta cetogênica bem formulada (WFKD) poderia ser factível e benéfica como adjuvante ao tratamento padrão (psicoterapia e/ou farmacoterapia) em universitários com Transtorno Depressivo Maior (TDM). Ao longo de 10–12 semanas, jovens com diagnóstico confirmado de TDM receberam educação nutricional intensiva, apoio frequente e monitoraram β-hidroxibutirato (BHB) em jejum diariamente. Os desfechos incluíram sintomas depressivos (PHQ-9 e HRSD), bem-estar global (WHO-5), composição corporal, marcadores sanguíneos hormonais e inflamatórios e função cognitiva. Resultados completos e métodos estão descritos no artigo original (acesso aberto).
Como o estudo foi conduzido
Participaram 24 estudantes com TDM (18–30 anos), todos já em tratamento padrão; 16 concluíram a intervenção. A WFKD restringiu carboidratos <50 g/dia, proteína ~1,5 g/kg/dia e gorduras até saciedade, priorizando fontes integrais. Houve telemonitoramento por aplicativo seguro e oferta parcial de itens alimentares apropriados. A adesão metabólica foi avaliada por BHB capilar diário, visando cetose nutricional (≥0,5 mM). As escalas PHQ-9 (autoaplicada) e HRSD (observador) foram repetidas periodicamente; outras medidas incluíram DXA para composição corporal, painéis de adipocinas (BDNF, leptina, IL-6, TNF-α, etc.), HOMA-IR e testes cognitivos NIH Toolbox.
Adesão e segurança
Os concluintes mantiveram cetose em 73% dos dias reportados (BHB médio ≈ 0,7 mM). Eventos adversos foram incomuns e leves (cefaleia e cãibras na primeira semana), resolvidos com reposição de eletrólitos; episódios gripais não relacionados levaram a breves não-adesões. A taxa de atrito (33%) decorreu majoritariamente de razões alheias à dieta (p. ex., calendário acadêmico).
Principais resultados
Sintomas depressivos e bem-estar
- PHQ-9: redução média de 69% ao final (p<0,001), com melhora já entre 2–6 semanas. A análise por intenção de tratar mostrou 65% de melhora.
- HRSD: redução de 71% (p<0,001), com todos os participantes abaixo de 10 pontos ao término, indicando ausência de quadro moderado ou grave.
- WHO-5: quase triplicou até o pós-teste (p<0,001), sem quedas individuais ao longo do acompanhamento.
Observação: a melhora coincidiu temporalmente com o estabelecimento da cetose, embora as correlações entre níveis de BHB e queda dos escores não tenham sido estatisticamente significativas nas análises exploratórias.
Composição corporal e marcadores
- Massa corporal: −6,2% (≈ −5,0 kg; p<0,001).
- Gordura corporal: −13,0%; recomposição favorável (~3:1 perda de gordura:massa magra, com pequena queda de LBM).
- Leptina: −52% (p=0,009).
- BDNF: +32% (p=0,029).
- HOMA-IR: −28% (não significativo), coerente com a baixa resistência à insulina basal da amostra jovem.
- Química sérica: sem mudanças clinicamente desfavoráveis nos lipídios; ALT reduziu 27%.
Cognição
Melhoras significativas em memória episódica (aprendizagem verbal) e velocidade de processamento (Oral Symbol Digit, Pattern Comparison), com tendência em flexibilidade cognitiva. Não houve quedas médias em nenhum domínio. Os autores reconhecem efeitos de prática como potencial confundidor, reforçando a necessidade de grupo controle futuro.
O que esses achados sugerem
O estudo indica que, em universitários com TDM, a implementação supervisionada de uma WFKD é factível e pode associar-se a:
- Redução robusta e sustentada de sintomas depressivos;
- Aumento de bem-estar;
- Perda de gordura e melhora de marcadores neurobiológicos (↑BDNF, ↓leptina);
- Ganhos em desempenho cognitivo em tarefas sensíveis a velocidade/atenção.
Mecanismos plausíveis discutidos incluem modulação inflamatória, aumento de BDNF, neuroproteção hipocampal, estabilidade de redes cerebrais em cetose e impacto indireto da perda de gordura em vias metabólicas relacionadas ao humor. Contudo, como associação não implica causalidade, esses mecanismos permanecem hipóteses apoiadas por literatura correlata e devem ser testados em ensaios controlados.
Limitações importantes
- Desenho de braço único (sem grupo controle), impossibilitando isolar o efeito específico da dieta frente a psicoterapia/fármacos ou passagem do tempo.
- Amostra pequena e selecionada (voluntários em contexto universitário), o que limita a generalização para populações mais diversas.
- Possível viés de demanda (consciência do propósito do estudo) e efeitos de prática nos testes cognitivos.
- Aderência alta foi facilitada por educação intensiva e suporte frequente, condições nem sempre disponíveis na rotina clínica.
Implicações práticas (com cautela)
Para equipes de saúde mental e atenção primária, os dados não substituem terapias consagradas, mas sugerem que intervenções nutricionais estruturadas — especificamente uma WFKD supervisionada — podem ser consideradas como adjuvantes em TDM, respeitando contraindicações, monitorando eletrólitos, estado nutricional, interações medicamentosas e preferências culturais. A implementação deve ser interdisciplinar (psiquiatria/psicologia/nutrição) e individualizada, e sempre ancorada em consentimento informado, critérios de segurança e monitorização clínica. Ensaios randomizados controlados maiores são necessários para confirmar eficácia, dosagem dietética e sustentabilidade.
Conclusão
Em universitários com TDM, a WFKD mostrou-se viável e potencialmente útil como terapia adjunta, com grandes reduções em escores de depressão, melhora do bem-estar, recomposição corporal favorável e indícios de benefícios cognitivos após 10–12 semanas. Esses achados justificam a condução de ensaios controlados para determinar a magnitude real do efeito, seus mediadores biológicos e a aplicabilidade em diferentes contextos clínicos.
