Metabolismo Cetogênico em Doenças Neurodegenerativas: Mecanismos de Ação e Potencial Terapêutico


Este artigo apresenta os principais pontos do artigo de revisão “Ketogenic Metabolism in Neurodegenerative Diseases: Mechanisms of Action and Therapeutic Potential”, publicado em 31 de julho de 2025 na revista Metabolites. A revisão sintetiza como a cetose nutricional — obtida por estratégias dietéticas (como dietas cetogênicas) ou por suplementação exógena de corpos cetônicos — pode interagir com mecanismos centrais das doenças neurodegenerativas, especialmente Alzheimer (DA), Parkinson (DP) e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O artigo discute mecanismos biológicos, evidências pré-clínicas e clínicas, limitações metodológicas, barreiras de implementação e perspectivas futuras, com ênfase em personalização terapêutica e integração com outras abordagens.

Por que olhar para o metabolismo cetogênico?

A revisão parte de um ponto em comum a várias doenças neurodegenerativas: estresse oxidativo, disfunção mitocondrial e neuroinflamação crônica. Esses processos se retroalimentam, comprometem a homeostase neuronal e contribuem para perda estrutural e funcional de neurônios, com impacto em cognição e controle motor. Em paralelo, os corpos cetônicos — em especial o β-hidroxibutirato (BHB) — oferecem substrato energético alternativo para o cérebro quando a oferta de glicose é limitada. A literatura revisada mostra que, além de combustível, o BHB atua como molécula sinalizadora, modulando vias de defesa antioxidante, epigenética (inibição de HDAC), inflamação (inibição do inflamassoma NLRP3) e neurotransmissão (ajuste do balanço GABA/glutamato), o que pode sustentar efeitos neuroprotetores em modelos experimentais e em estudos clínicos iniciais.

Mecanismos de ação propostos

1) Mitocôndria e estresse oxidativo

Sob cetose, há melhora da bioenergética mitocondrial, redução relativa da necessidade de glicose e menor produção de espécies reativas. O BHB induz a expressão de enzimas antioxidantes (como catalase e SOD) e ativa reguladores como PGC-1α e SIRT3, favorecendo biogênese mitocondrial, estabilidade da membrana e eficiência do ETC. Em modelos de lesão neurológica, a disponibilidade de cetonas preserva ATP e atenua excitotoxicidade. Esses achados suportam o potencial da cetose para romper o ciclo estresse oxidativo ↔ disfunção mitocondrial.

2) Neuroinflamação e imunomodulação

O BHB inibe o inflamassoma NLRP3 e reduz mediadores como IL-1β e TNF-α, além de modular o NF-κB. Em microglia e astrócitos, a cetose favorece perfis menos pró-inflamatórios e mais reparadores, com correlação a melhor integridade neuronal e melhora funcional em modelos animais. A revisão também aponta interações com o eixo intestino-cérebro, sugerindo que mudanças de microbiota induzidas por dietas cetogênicas podem contribuir ao efeito anti-inflamatório sistêmico e central.

3) Neurotransmissão e plasticidade sináptica

A cetose tende a reduzir excitotoxicidade glutamatérgica e aumentar GABA, além de elevar BDNF e favorecer neurogênese hipocampal em modelos experimentais. Em doenças nas quais a disfunção sináptica precede a degeneração franca (como DA e DP), esses efeitos são considerados particularmente relevantes por potencialmente protegerem circuitos antes de perdas estruturais irreversíveis.

O que mostram os estudos por doença

Doença de Alzheimer

Em modelos transgênicos, os resultados sobre depósito amiloide variam, mas há sinais consistentes de modulação inflamatória e metabólica: o BHB reduz ativação do NLRP3 e microgliose, e a dieta cetogênica restaura intermediários do ciclo de Krebs no hipocampo. Em humanos, intervenções com triglicerídeos de cadeia média (MCT) e dietas cetogênicas modificadas apontam melhora em desfechos cognitivos (p.ex., MMSE, ADAS-Cog) e qualidade de vida, em especial em estágios iniciais e em subgrupos definidos por genótipo APOE (com respostas distintas entre portadores e não portadores do APOE4). A adesão e a heterogeneidade dos protocolos são os maiores entraves para conclusões definitivas e aplicação ampla.

Doença de Parkinson

Em animais, a cetose protege neurônios dopaminérgicos, modula vias como AKT/GSK-3β/CREB e pode suportar a biossíntese de dopamina por impacto no cofator BH4. Em ensaios clínicos, as dietas cetogênicas mostram benefícios mais claros em sintomas não motores (ansiedade, fadiga, sonolência diurna, aspectos cognitivos) do que em escalas puramente motoras. A suplementação com ésteres de cetona e MCT tem sido explorada como alternativa de indução rápida de cetonemia, embora nem sempre replique o amplo efeito metabólico da dieta no tecido.

Esclerose Lateral Amiotrófica

A ELA cursa com déficits bioenergéticos na medula espinhal. Em modelos SOD1-G93A, dietas cetogênicas e MCT (caprílico) atrasaram declínio motor, preservaram neurônios motores e melhoraram a função mitocondrial, ainda que sem interromper a progressão. Em humanos, faltam ensaios robustos; dados observacionais sugerem que padrões alimentares com menos gordura e mais carboidrato podem se associar a risco aumentado, enquanto intervenções com MCT elevaram BHB e melhoraram alguns parâmetros antropométricos. São necessários ensaios controlados para confirmar benefício clínico e definir protocolos factíveis.

Estratégias terapêuticas: dieta vs. cetonas exógenas

A dieta cetogênica (DC) promove um estado metabólico abrangente (queda de glicose e insulina, maior oxidação de ácidos graxos, cetogênese endógena). Cetonas exógenas (sais/ésteres) elevam rapidamente o BHB plasmático, úteis quando a adesão dietética é limitada, mas não reproduzem integralmente os efeitos sistêmicos (p.ex., sobre sensibilidade à insulina e dinâmica de ácidos graxos). Dietas com MCT oferecem maior flexibilidade e facilitam a cetose, mas podem cursar com efeitos gastrointestinais. A escolha deve considerar objetivo clínico, tolerabilidade e contexto, com monitorização metabólica e nutricional apropriada.

Limitações, segurança e barreiras práticas

A revisão ressalta que o conjunto clínico ainda é limitado e heterogêneo: amostras pequenas, curta duração, protocolos diversos e desfechos distintos (cognição, humor, função motora, qualidade de vida). Os principais desafios de implementação incluem adesão de longo prazo, risco de deficiências micronutricionais em dietas muito restritivas, dislipidemia em suscetíveis, nefrolitíase e redução de densidade óssea em uso prolongado sem supervisão. Em idosos e em pessoas com comorbidades, é imprescindível avaliação clínica, ajuste individual e acompanhamento laboratorial. A recomendação central é personalizar (idade, sexo, estágio da doença, genótipo, flexibilidade metabólica) e integrar a cetose a outras terapias quando indicado.

Perspectivas

Segundo a revisão, prioridades para os próximos anos incluem:

  • Ensaios multicêntricos com protocolos padronizados e seguimento longo;
  • Painéis de biomarcadores (metabólicos, inflamatórios, imagem) para estratificar respondedores e guiar doses/formas (dieta, MCT, ésteres);
  • Avaliar combinações (antioxidantes, moduladores de NAD⁺, terapias padrão) e janelas terapêuticas por estágio da doença;
  • Desenvolvimento de ferramentas não invasivas para monitorar cetose e desfechos neuroprotetores.

A mensagem final é prudente: há plausibilidade biológica sólida e sinais clínicos promissores, sobretudo em fases iniciais e em perfis genético-metabólicos favoráveis; contudo, a incorporação da estratégia exige rigo­rosa validação clínica, supervisão profissional e personalização para maximizar benefícios e reduzir riscos.

Fonte: https://doi.org/10.3390/metabo15080508

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