Genética não determina a obesidade: o que a ciência realmente mostra sobre estilo de vida e epigenética


Na entrevista ao 60 Minutes, a Dra. Fatima Cody Stanford, médica da Harvard Medical School e especialista em obesidade, declarou de forma categórica: “A principal causa da obesidade é a genética. Isso significa que se você nasceu de pais obesos, você tem de 50% a 85% de chance de também ter a doença, mesmo com dieta, exercício, sono adequado e manejo do estresse”.

Essa frase, repetida durante a reportagem, soa como uma sentença inevitável: a obesidade estaria praticamente determinada no nascimento, e mudanças no estilo de vida seriam incapazes de alterar esse destino. O raciocínio é reforçado por outras declarações, como quando a médica afirma que “a obesidade é uma doença do cérebro, e o cérebro nos diz quanto comer e quanto armazenar”, defendendo ainda a ideia de um “set point” fixo, um peso corporal que o cérebro protegeria independentemente dos esforços individuais.

Essa narrativa, apesar de trazer conforto a alguns pacientes por reduzir a sensação de “culpa” pessoal, carrega um risco: transmite a falsa impressão de que estilo de vida e escolhas alimentares são inúteis. A literatura científica acumulada nas últimas décadas mostra exatamente o oposto: a genética influencia, mas não determina; o que molda os desfechos é a interação entre genes, epigenética e ambiente alimentar.

O paradoxo histórico da epidemia de obesidade

A própria entrevista lembra um dado importante: “Quase metade dos adultos americanos tem obesidade, condição que há 40 anos era apenas uma fração disso”. Se a genética fosse a causa número um, como explicar que em poucas décadas houve aumento tão rápido, enquanto os genes da população permaneceram os mesmos?

A resposta está no ambiente: aumento do consumo de ultraprocessados, excesso de carboidratos refinados, sedentarismo, distúrbios do sono e estresse crônico. Nenhum desses fatores é explicado pela genética — são consequências do estilo de vida moderno.

Genética como predisposição, não destino fixo

Ao afirmar que mesmo com dieta, exercício e sono adequados uma pessoa estaria condenada se herdasse genes de risco, a Dra. Stanford adota uma visão determinista que a ciência já superou.

Estudos sobre variantes do gene FTO, frequentemente chamado de “gene da obesidade”, mostram que, de fato, certas pessoas podem ter maior facilidade em ganhar peso. No entanto, pesquisas de larga escala envolvendo mais de 177 mil indivíduos demonstraram algo fundamental: o impacto do gene pode ser atenuado por fatores ambientais, como padrões alimentares e prática regular de atividade física.

Em um estudo publicado no Human Molecular Genetics (2014), Qi e colaboradores concluíram que a influência do FTO sobre o índice de massa corporal (IMC) foi significativamente reduzida em indivíduos que seguiam hábitos saudáveis. Isso significa que a genética confere predisposição, mas não determina o destino.

Essa evidência contrasta diretamente com a fala da Dra. Stanford de que “mesmo com dieta, exercício e sono adequados, o risco permanece em 85% se os pais forem obesos”. A literatura científica demonstra que a vulnerabilidade genética pode ser modulada pelo ambiente e não é uma sentença inevitável.

A epigenética como chave da adaptação

A epigenética, ciência que estuda como o ambiente ativa ou silencia genes sem alterar a sequência de DNA, ajuda a explicar por que estilo de vida supera herança genética.

Dietas ricas em carboidratos refinados e açúcares podem ativar vias relacionadas ao acúmulo de gordura e resistência à insulina. Já padrões alimentares baseados em baixo consumo de carboidratos, maior densidade nutricional e boa regulação do sono têm efeito oposto, favorecendo a expressão de genes que promovem equilíbrio metabólico.

Assim, dois indivíduos com a mesma carga genética podem ter desfechos totalmente distintos dependendo do ambiente em que vivem e das escolhas que fazem.

Evidências clínicas contra o determinismo genético

Se a genética fosse soberana, intervenções dietéticas não teriam o poder de reverter doenças associadas à obesidade. Mas a realidade clínica é outra:

  • Uma revisão sistemática publicada no BMJ (2018) mostrou que dietas de baixo carboidrato e cetogênicas são mais eficazes para perda de peso sustentada e melhora de marcadores metabólicos do que dietas de baixa gordura.
  • O ensaio clínico DiRECT, publicado no Lancet (2018), comprovou que mudanças estruturadas na dieta levaram à remissão do diabetes tipo 2 em quase metade dos pacientes em apenas um ano. Esse resultado seria impossível se o desfecho estivesse unicamente nas mãos da genética.

Esses estudos demonstram que modificar o ambiente alimentar pode redefinir o metabolismo e até reverter doenças crônicas graves.

Medicamentos: solução ou paliativo?

A reportagem deu destaque a drogas como Wegovy (semaglutida), que levam a perdas de 15% a 22% do peso corporal, mas custam mais de 1.300 dólares por mês e precisam ser usadas indefinidamente. Muitos pacientes relataram melhora, mas os próprios planos de saúde destacaram que “esses medicamentos não foram ainda comprovados como eficazes a longo prazo e podem ter complicações”.

Ou seja, mesmo com drogas de última geração, a base do tratamento permanece no estilo de vida. O próprio estudo que sustentou a aprovação da semaglutida mostrou que, ao suspender a medicação, a maior parte do peso perdido retornava. Isso reforça a ideia de que o ambiente continua sendo o fator determinante.

Conclusão

As frases repetidas na entrevista — “a principal causa da obesidade é genética” ou “é uma doença cerebral que define quanto você come e armazena” — não são compatíveis com as evidências científicas. O que a literatura mostra de forma consistente é que:

  • A genética confere predisposição, mas não destino;
  • O ambiente alimentar e o estilo de vida modulam a expressão dos genes por meio da epigenética;
  • Intervenções nutricionais, especialmente de baixo carboidrato, são capazes de superar vulnerabilidades genéticas e reverter doenças associadas.

Reduzir a obesidade a uma condição cerebral e genética não apenas é cientificamente incorreto, como também desestimula pacientes a adotarem mudanças que poderiam transformar sua saúde. A verdadeira mensagem baseada em evidências deve ser clara: a obesidade é modulada pelo ambiente, e escolhas de estilo de vida têm poder de redefinir o risco, superar a genética e abrir caminho para a reversão de doenças metabólicas.

Fonte: https://www.cbsnews.com/news/weight-loss-obesity-drug-2023-01-01/

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