O artigo “Exploring the potential of the ketogenic diet in managing metabolic syndrome” (Frontiers in Nutrition, 29 ago 2025) revisa evidências recentes e propõe caminhos de pesquisa sobre a aplicação da dieta cetogênica (DC) na síndrome metabólica (SM). A SM reúne alterações interligadas — aumento da circunferência da cintura, hipertensão, hiperglicemia, hipertrigliceridemia e HDL reduzido — que elevam o risco cardiometabólico. A revisão descreve como a DC, ao restringir carboidratos e elevar corpos cetônicos (como o β-hidroxibutirato), pode melhorar peso, sensibilidade à insulina, perfil lipídico e marcadores inflamatórios, ao mesmo tempo em que destaca lacunas importantes para estudos de longo prazo e multicêntricos.
O que os estudos mostram
- Transtornos psiquiátricos com SM: Em 4 meses de intervenção cetogênica, observou-se redução aproximada de 12% no peso e IMC, diminuição de 13% na cintura e queda de 25% nos triglicerídeos; a HDL aumentou modestamente. Esses achados contrastaram com coorte que consumia mais carboidratos de baixo teor de fibra, associada a maior prevalência de SM e IMC mais alto (Sethi et al., 2024; Zachos et al., 2024).
- Intervenção de 52 semanas (perfil asiático da DC): Em pessoas com SM, variantes da DC com ovos inteiros ou sem gema superaram uma dieta hipocalórica balanceada para perda de peso, redução de cintura e melhora da sensibilidade à insulina; houve queda de triglicerídeos e aumento de HDL. Em alguns grupos, LDL aumentou, achado que exige seguimento e contextualização clínica (Pinsawas et al., 2024).
- Combinações e comparações: Protocolos sequenciais que iniciam com DC muito baixa em energia e depois migram para padrão mediterrâneo mostraram forte redução de peso e gordura abdominal, com rebote metabólico parcial na fase mediterrânea, sugerindo maior “resiliência” inicial da DC para alguns desfechos. A associação de DC com balão intragástrico também gerou maior perda ponderal do que dieta hipocalórica com balão (Castaldo et al., 2016; Genco et al., 2018).
- Exercício + DC: Em homens de meia-idade com SM, a combinação com exercício aeróbico reduziu peso, IMC, gordura corporal e melhorou resistência à insulina, com quedas em proteínas ligadas ao metabolismo lipídico (Ghorbanian et al., 2023).
- Diabetes tipo 2: Ensaios mostram redução de glicemia, pressão diastólica, HbA1c e medidas de adiposidade com DC em curto prazo, além de revisões que apoiam seu uso criterioso no manejo do diabetes (Yancy et al., 2003; Bolla et al., 2019).
Mecanismos propostos
A revisão destaca mecanismos convergentes:
- Sinalização hormonal e saciedade: Maior aporte proteico pode elevar GLP-1, CCK e PYY, favorecendo controle de apetite e oxidação de gordura (Hall et al., 2003; Lejeune et al., 2006).
- Glicemia e insulina: A restrição de carboidratos reduz absorção de monossacarídeos, secreção de insulina e variabilidade glicêmica, promovendo lipólise e cetogênese com melhora do sinal de insulina.
- Inflamação de baixo grau: O β-hidroxibutirato pode modular vias como NLRP3 e atuar como inibidor de HDAC, reduzindo expressão de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-1β, NF-κB) e favorecendo perfis anti-inflamatórios (Youm et al., 2015; Shimazu et al., 2013).
- Pressão arterial e RAA: Em intervenção de 6 semanas, a DC elevou aldosterona sem piorar pressão arterial nem glicemia, hipótese de efeito compensatório sem dano hemodinâmico no curto prazo (Belany et al., 2023).
- Microbiota e metabolismo energético: Evidências sugerem que a DC pode modular microbiota intestinal e otimizar vias de oxidação de ácidos graxos no fígado e músculos, com potencial impacto na regulação do peso.
Limitações, riscos e o que ainda falta responder
A revisão é clara ao apontar lacunas: faltam ensaios multicêntricos, com longo seguimento, diversidade étnica e etária, e comparadores padronizados com foco em aderência e segurança. Em uso prolongado, a DC pode associar-se a deficiências de micronutrientes (vitamina C, magnésio, cálcio) se mal planejada, com potenciais efeitos sobre densidade óssea e função imune. Alterações em lipoproteínas, como elevação de LDL em certos contextos, exigem monitoramento clínico individualizado e interpretação integrada com outros marcadores (triglicerídeos, HDL, circunferência da cintura, pressão, glicemia, inflamação). A literatura sobre padrões alternativos, como dieta mediterrânea, também indica benefícios relevantes para pacientes com SM, sobretudo em intervenções de 24 meses com melhora de parâmetros antioxidantes e hepáticos; portanto, comparações diretas e pragmáticas são prioridade.
Implicações práticas e pesquisa futura
Segundo os autores, a DC é promissora como estratégia de manejo da SM, especialmente para redução de peso, melhora glicêmica e modulação inflamatória. Contudo, seu uso deve ser individualizado, com atenção a aderência, qualidade da gordura e proteína e suprimento de micronutrientes. A agenda de pesquisa inclui:
- Ensaios que comparem aderência e segurança da DC com outras dietas pobres em carboidratos e com padrões como a mediterrânea, em horizontes ≥12–24 meses.
- Avaliação sistemática de estado nutricional, saúde óssea e função cardiovascular sob restrição crônica de carboidratos.
- Elucidação de mecanismos envolvendo microbiota, receptores de corpos cetônicos e vias de metabolismo de ácidos graxos, visando maximizar benefícios e minimizar riscos.
Conclusão
A síntese apresentada indica que a DC pode atenuar componentes centrais da SM por múltiplas vias fisiológicas, com benefícios consistentes em curto e médio prazos em cenários variados (obesidade, diabetes tipo 2, SM associada a transtornos psiquiátricos). Ao mesmo tempo, não se trata de solução universal: planejamento nutricional cuidadoso, monitoramento clínico e estudos robustos de longo prazo são indispensáveis para consolidar segurança, eficácia sustentada e aplicabilidade em populações diversas.
