O glioblastoma (GBM) é um dos tumores cerebrais mais agressivos, com expectativa média de sobrevivência entre 15 e 20 meses, apesar dos avanços incrementais no tratamento ao longo das últimas cinco décadas. Diante dessa realidade desafiadora, muitos pacientes buscam opções complementares que possam exercer algum impacto positivo sobre a doença, como mudanças alimentares. Entre essas, a dieta cetogênica (DC) — caracterizada por alto teor de gordura e baixo teor de carboidratos — tem despertado atenção devido a sua fundamentação teórica relacionada ao metabolismo tumoral.
Foi nesse contexto que pesquisadores do Cedars-Sinai Medical Center, nos Estados Unidos, conduziram um estudo clínico de fase 1 para avaliar a segurança e viabilidade da dieta cetogênica em associação ao tratamento padrão (cirurgia, radioterapia e quimioterapia com temozolomida) em pacientes com glioblastoma recém-diagnosticado. Este estudo observacional e intervencionista durou 16 semanas e incluiu 17 pacientes adultos que estavam, em média, com 55 anos de idade e bom desempenho funcional (mediana de 85 na escala de Karnofsky).
Objetivos principais e metodologia
O objetivo primário do estudo foi verificar se a dieta cetogênica poderia ser implementada sem causar perda de peso excessiva ou outros efeitos adversos relevantes, além de avaliar a adesão à dieta (considerada viável se mais de 50% dos pacientes conseguissem manter cetose nutricional — níveis de cetona no sangue acima de 0,3 mM — em mais de 50% dos dias).
Antes de iniciar a dieta, os pacientes recebiam acompanhamento de um nutricionista especializado que realizava uma avaliação detalhada e oferecia orientações práticas para implementar a dieta, incluindo planos alimentares individualizados, ajustes conforme sintomas e apoio durante as dificuldades mais comuns, como constipação ou perda de apetite.
Durante o estudo, os pacientes monitoraram a glicemia e a cetonemia duas vezes ao dia com equipamentos fornecidos pelos pesquisadores e também usaram dispositivos para registrar peso e atividade física.
Resultados e tolerabilidade
O estudo encontrou alta adesão: todos os 17 pacientes alcançaram os critérios de cetose nutricional definidos, com média de 97% dos dias em cetose e tempo médio para entrar em cetose de apenas 3 dias. Nenhum paciente apresentou perda de peso superior ao limiar de segurança definido (10% do peso corporal ou índice de massa corporal inferior a 18,5) e a maioria relatou boa tolerabilidade à dieta.
Os eventos adversos atribuídos à dieta foram em geral leves (graus 1 ou 2), como perda de apetite, constipação e sintomas semelhantes à "gripe cetogênica". Apenas um evento adverso maior (grau 3) foi registrado, relacionado à constipação.
Além disso, houve redução significativa nos níveis de glicose e do índice glicose-cetona (GKI), e uma diminuição discreta nos níveis de IGF-1 ao longo das 16 semanas. Estes são marcadores bioquímicos potencialmente relevantes, já que tumores como o GBM dependem fortemente da glicose para seu metabolismo.
A sobrevida livre de progressão mediana foi de 12,9 meses e a sobrevida global mediana foi de 29,4 meses desde o início da dieta cetogênica. Esses números são superiores aos observados nos ensaios históricos com o tratamento padrão, que indicam mediana de sobrevida global de cerca de 14,6 meses, embora o presente estudo não tenha sido desenhado para avaliar eficácia clínica e o número de participantes seja pequeno.
Qualidade de vida e funções cognitivas
Outro aspecto relevante foi que as medidas de qualidade de vida, cognição e atividade física permaneceram estáveis ao longo do período de intervenção, e alguns parâmetros mostraram tendência de melhora, como maior tempo de sono e mais passos por dia, embora sem significância estatística. Isso contrasta com o esperado declínio da qualidade de vida e da cognição frequentemente observado em pacientes com GBM em tratamento convencional.
Considerações finais
Embora as limitações deste ensaio incluam o tamanho reduzido da amostra, a falta de grupo controle e o fato de ser um estudo não randomizado, os resultados indicam que a dieta cetogênica supervisionada é segura e viável em pacientes com glioblastoma recém-diagnosticado, sem prejudicar a qualidade de vida ou as funções cognitivas.
Importante destacar que estes dados não permitem afirmar que a dieta cetogênica aumenta a sobrevida nesses pacientes; essa questão está sendo investigada em um ensaio clínico multicêntrico randomizado atualmente em andamento.
Esse trabalho reforça a necessidade de protocolos supervisionados por profissionais qualificados para implementar intervenções dietéticas complexas em pacientes oncológicos, evitando riscos e promovendo o máximo benefício possível. Para os profissionais de saúde, trata-se de um indicativo relevante de que estratégias dietéticas como a DC podem ser integradas com segurança ao tratamento padrão em contextos bem monitorados.
