A alimentação humana impacta de forma direta a saúde metabólica e cardiovascular. A crescente popularidade dos alimentos vegetais ultraprocessados como substitutos da carne animal, como é o caso de análogos vegetais (“plant-based meat analogues”, PBMA), tem levado a uma série de estudos comparativos para entender as diferenças biológicas e de saúde entre essas opções alimentares.
Este estudo clínico randomizado e cruzado publicado no The American Journal of Clinical Nutrition avaliou os efeitos agudos de refeições contendo carne animal (boi criado a pasto, boi alimentado com grãos e cordeiro) versus PBMA (Beyond Burger®) sobre o perfil lipídico e a composição de ácidos graxos na fração plasmática rica em quilomícrons de homens jovens e saudáveis.
Composição lipídica e absorção pós-refeição
Os pesquisadores observaram diferenças importantes na composição lipídica entre as refeições:
- As carnes animais apresentaram maiores proporções de ácidos graxos saturados (SFA), enquanto o PBMA tinha maior teor de ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) e poli-insaturados (PUFA), devido à presença de óleos vegetais como coco, canola e girassol.
- O boi criado a pasto forneceu maiores quantidades de ácidos graxos como heptadecanoico (C17:0) e esteárico (C18:0), enquanto o PBMA foi rico em caprílico (C10:0) e láurico (C12:0), provenientes predominantemente de óleo de coco.
Essas diferenças se refletiram parcialmente nas concentrações lipídicas no sangue após as refeições. Observou-se que a resposta lipídica pós-prandial (ou seja, aumento de triglicerídeos plasmáticos nas horas seguintes) foi maior para a refeição com PBMA do que para carne bovina de confinamento ou cordeiro. Este achado é relevante porque a hiperlipemia pós-prandial tem sido associada ao aumento de risco cardiovascular.
Por outro lado, as carnes animais apresentaram maior enriquecimento de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa (EPA, DPA e DHA) no plasma, nutrientes conhecidos por seus efeitos protetores cardiovasculares e anti-inflamatórios. Embora essa diferença não tenha alcançado significância estatística global devido à alta variabilidade individual, confirma que as fontes animais são superiores no fornecimento direto desses ácidos graxos essenciais.
Diferenças no perfil lipidômico
O estudo também revelou que:
- As refeições com carne animal resultaram em maior concentração de lisofosfatidilcolinas (LPC) na fração quilomícronica. Estas moléculas vêm sendo estudadas como possíveis biomarcadores de menor risco de diabetes tipo 2, sugerindo potencial benefício metabólico.
- O PBMA induziu maior elevação de triglicerídeos plasmáticos em comparação com algumas carnes, apesar de conter menos ácidos graxos saturados. Isso desafia a narrativa comum de que a simples redução do teor de gordura saturada nos alimentos resultaria automaticamente em menor impacto lipídico e cardiovascular.
Aspectos de saúde pública
Do ponto de vista da saúde, as diferenças observadas no estudo refletem mais do que apenas o conteúdo de gordura saturada. As carnes animais não processadas, especialmente de animais alimentados a pasto, mostraram-se fontes superiores de ácidos graxos essenciais e produziram uma resposta lipídica pós-prandial potencialmente menos adversa.
Por outro lado, embora o PBMA contenha predominantemente gorduras vegetais insaturadas, a sua formulação industrializada (com inclusão de óleos tropicais e aditivos) resultou em uma resposta de triglicerídeos pós-refeição maior, o que poderia ter implicações para risco cardiovascular em longo prazo, especialmente em indivíduos com síndrome metabólica.
Considerações importantes
O estudo reforça que a avaliação de alimentos deve ir além da simples análise de teor de gorduras saturadas e considerar o contexto alimentar completo e os efeitos metabólicos reais no organismo humano. As carnes animais oferecem nutrientes biodisponíveis e uma composição de lipídios complexa que podem ser mais favoráveis à saúde cardiometabólica, enquanto os produtos vegetais processados, ainda que formulados para imitá-las, não replicam integralmente esses benefícios.
Este estudo foi realizado em indivíduos jovens e saudáveis e analisou apenas os efeitos agudos de uma única refeição. Os resultados não podem ser diretamente extrapolados para efeitos crônicos ou populações com condições clínicas.
