As diferenças regionais no padrão alimentar da China refletem a diversidade geográfica, climática e cultural do país, impactando de forma distinta a saúde da população. Um estudo publicado no Nutrients analisou detalhadamente as dietas das regiões Lingnan (sul da China: Guangdong, Guangxi, Hainan) e Planície Central (centro da China: Henan, Shanxi, Shaanxi) com dados do China Nutrition and Health Surveillance 2015–2017, incluindo mais de 14 mil adultos. Embora o estudo tenha avaliado a dieta como um todo, é possível identificar diferenças marcantes especificamente no consumo de alimentos de origem animal, que são centrais para compreender os perfis de saúde dessas regiões.
Padrão alimentar nas regiões estudadas
A região de Lingnan, tradicionalmente associada a um clima quente e úmido e à disponibilidade de recursos naturais abundantes, apresenta características dietéticas muito distintas da Planície Central, especialmente no que diz respeito ao consumo de alimentos de origem animal:
- Frutos do mar: Lingnan teve consumo significativamente superior (+49 g/dia) em comparação com a Planície Central. Este grupo inclui peixes e outros produtos aquáticos, ricos em ácidos graxos ômega-3, que exercem efeitos anti-inflamatórios relevantes para a saúde cardiovascular.
- Carnes vermelhas: O consumo de carne vermelha foi quase quatro vezes maior em Lingnan (+82 g/dia), mostrando a centralidade da carne na dieta sulista, apesar de métodos culinários que priorizam a preservação de sabor natural e menor uso de óleo e sal.
- Aves: A ingestão de carne de aves também foi substancialmente maior em Lingnan (+27 g/dia).
- Ovos: Embora os ovos tenham sido consumidos em ambas as regiões, a Planície Central apresentou um consumo ligeiramente maior (+4,9 g/dia), refletindo diferenças culturais quanto às fontes proteicas preferidas.
- Leite e derivados: Curiosamente, a ingestão de laticínios foi baixa nas duas regiões, mas ligeiramente menor em Lingnan (-5,4 g/dia), apontando para um padrão dietético tradicional com baixo consumo de leite, consistindo em parte do padrão alimentar asiático como um todo.
Perfil de saúde cardiometabólica associado
O estudo encontrou que a maior presença de alimentos de origem animal, especialmente frutos do mar, na dieta de Lingnan, esteve associada a menores prevalências de condições como obesidade (8,6% vs. 18,1%), diabetes mellitus (7,6% vs. 9,8%) e hipertensão arterial (33% vs. 46,9%) quando comparado à Planície Central. A análise multivariada indicou que, mesmo ajustando para fatores como idade, sexo, renda, escolaridade, atividade física, tabagismo e consumo de álcool, os habitantes de Lingnan apresentaram menores riscos relativos de obesidade (OR=0,431), diabetes (OR=0,841) e hipertensão (OR=0,564).
A prevalência de dislipidemia, porém, foi similar nas duas regiões (~38%), sugerindo que outros fatores além do consumo de alimentos de origem animal possam influenciar este marcador específico.
Possíveis mecanismos biológicos
A superioridade dos indicadores de saúde cardiometabólica em Lingnan, apesar do maior consumo de carne vermelha e aves, pode estar relacionada à composição dos alimentos de origem animal predominantes e aos métodos culinários empregados:
- Frutos do mar: Ricos em EPA e DHA, conhecidos por reduzirem inflamação sistêmica (inibição da via NF-κB) e melhorarem o perfil lipídico.
- Métodos de preparo: Lingnan privilegia técnicas como o vapor, que preservam nutrientes e reduzem o uso de gordura e sódio.
- Diversidade proteica: A combinação de carnes, frutos do mar e menor dependência de derivados lácteos pode ter conferido um padrão alimentar mais equilibrado, em contraste com a dieta da Planície Central, mais dependente de alimentos à base de trigo e oleaginosas.
Comparações internacionais
A dieta de Lingnan guarda semelhanças com padrões reconhecidos globalmente por benefícios cardiometabólicos, como a dieta mediterrânea e a dieta DASH, principalmente devido ao consumo regular de peixes e ao baixo teor de sódio e gordura saturada no preparo culinário.
Limitações e considerações
É importante ressaltar que, embora o estudo identifique associações robustas, sua natureza transversal não permite estabelecer causalidade. Adicionalmente, a auto-declaração de consumo alimentar está sujeita a viés de memória e sub ou superestimação.
Conclusões
A análise focada nos alimentos de origem animal reforça que, na região Lingnan, seu maior consumo, particularmente de frutos do mar e carnes, foi associado a melhores indicadores de saúde cardiometabólica quando comparada à Planície Central. A composição dos alimentos (mais frutos do mar e carnes frescas), a menor dependência de produtos processados e os métodos culinários menos agressivos ao alimento parecem ser fatores protetores importantes.
Esses achados sugerem que padrões alimentares com maior presença de alimentos de origem animal, quando associados a práticas culinárias tradicionais com baixa adição de sódio e gordura industrial, podem contribuir para a redução de riscos cardiometabólicos na população.
