A encefalite autoimune é uma condição neurológica complexa, caracterizada por inflamação cerebral provocada por uma disfunção do sistema imunológico. Embora não seja a causa mais frequente de encefalite — ficando atrás das formas virais e pós-infecciosas — ela representa um número significativo de casos, afetando aproximadamente 58 indivíduos a cada 100.000 por ano. Entre os sintomas mais comuns estão febre alta, convulsões, alterações no estado mental e déficits neurológicos variados, como perda de reflexos e alucinações visuais. O presente relato de caso traz à tona um tratamento não convencional que se mostrou promissor: a dieta cetogênica.
O Caso Clínico
O paciente descrito é um homem de 21 anos, previamente saudável, que deu entrada na emergência com febre de 39 °C e crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas. Em poucos dias, ele desenvolveu sintomas adicionais: alucinações visuais, olhar fixo, medo intenso, e episódios frequentes de convulsões. Exames laboratoriais revelaram inflamação hepática e níveis elevados de creatina quinase, além de alterações no perfil hepático e nutricional.
A investigação médica confirmou o diagnóstico de encefalite autoimune por meio de teste positivo para autoanticorpos. O paciente foi inicialmente tratado com fórmula enteral rica em carboidratos, mas isso não impediu o agravamento das convulsões, mesmo sob sedação contínua.
Introdução da Dieta Cetogênica
Diante da piora clínica, a equipe multidisciplinar decidiu implementar uma dieta cetogênica, começando com uma razão 3:1 (três partes de gordura para uma de proteína e carboidrato somados). A abordagem incluiu suplementação com triglicerídeos de cadeia média (MCT), substâncias que promovem a formação de corpos cetônicos com mais eficiência e demonstraram, em estudos anteriores, efeito terapêutico em epilepsia refratária.
Apesar da manutenção da frequência das convulsões nos primeiros dias, observou-se uma clara redução na sua duração. No entanto, uma interrupção temporária da dieta devido à necessidade de jejum absoluto (nil per oral) resultou no retorno de convulsões prolongadas, indicando uma associação direta entre a cetose e o controle clínico.
Com o retorno da dieta, agora com uma razão mais elevada de 4:1, houve melhora substancial: as convulsões se tornaram menos frequentes e o paciente começou a responder a comandos, reconhecer familiares e, por fim, retomou a alimentação via oral. A análise de urina passou a mostrar corpos cetônicos em 2+, sinal de cetose eficaz e segura.
Recuperação Completa
O seguimento clínico evidenciou recuperação neurológica progressiva. O paciente recebeu alta em bom estado geral, com melhora dos parâmetros laboratoriais e função cognitiva restaurada. Uma transição suave da alimentação por sonda para dieta oral normal marcou a conclusão do tratamento.
Ao final, o jovem artista — um DJ com rotina noturna intensa e possível exposição a luzes artificiais que afetam o sono e os ritmos circadianos — voltou à vida normal, sem sinais residuais de encefalite ou crises convulsivas.
Discussão
O caso reforça o potencial terapêutico da dieta cetogênica em condições neurológicas para além da epilepsia refratária. Sua eficácia parece estar relacionada à mudança do metabolismo cerebral da glicose para os corpos cetônicos como fonte primária de energia, o que pode modular vias inflamatórias, expressão gênica e atividade neuronal envolvida nas convulsões.
A literatura citada no artigo reconhece que os corpos cetônicos podem influenciar receptores e mecanismos celulares associados à atividade elétrica cerebral desorganizada, embora os mecanismos exatos ainda não estejam completamente elucidados.
Vale destacar que a introdução da dieta cetogênica exigiu ajustes frequentes, desafios logísticos (como obtenção de fórmulas adequadas e custo elevado), e convencimento dos familiares e da equipe médica sobre seu papel terapêutico.
Conclusão
A dieta cetogênica demonstrou papel central na recuperação completa do paciente com encefalite autoimune, ao reduzir significativamente as convulsões e promover melhora clínica sustentada. Este relato de caso destaca o valor dessa intervenção não farmacológica como estratégia complementar em contextos neurológicos complexos, especialmente quando as abordagens convencionais falham ou são insuficientes.
Pontos de Aprendizado
- A dieta cetogênica pode representar uma alternativa terapêutica eficaz na encefalite autoimune.
- A presença de corpos cetônicos na urina foi um marcador útil de adesão e eficácia.
- A reintrodução da dieta após interrupção resultou em controle clínico significativo.
- O sucesso do protocolo depende de planejamento nutricional preciso e adesão multidisciplinar.
Desafios Enfrentados
- Resistência da equipe em ajustar o tipo de dieta.
- Dificuldade em convencer familiares sobre a dieta especializada.
- Escassez de fórmulas científicas adequadas.
- Custo elevado e logística de obtenção dos insumos.
O caso reforça a necessidade de mais estudos clínicos sobre o uso da dieta cetogênica em distúrbios autoimunes e neurológicos além da epilepsia, especialmente em contextos hospitalares.
