Os transtornos de tiques (TT) são distúrbios neurológicos do neurodesenvolvimento que se manifestam, principalmente na infância, por movimentos ou vocalizações involuntárias, súbitas e repetitivas. Embora a etiologia seja multifatorial, os estudos mais recentes reforçam o papel central do sistema dopaminérgico, além da influência do estado nutricional e de processos inflamatórios imunes.
Disfunção dopaminérgica nos TT
Evidências clínicas e experimentais apontam que pacientes com TT apresentam alterações significativas no transporte e na recepção de dopamina, especialmente no corpo estriado e córtex frontal. Estudos de estimulação cerebral profunda demonstraram que a modulação da liberação de dopamina pode aliviar os sintomas motores, o que reforça a importância dessa via nos tiques.
Além disso, foram detectados autoanticorpos contra receptores dopaminérgicos D2 em uma parcela dos pacientes, indicando uma possível mediação autoimune. Essa resposta imune está correlacionada com a gravidade dos sintomas e com episódios de piora clínica.
Nutrição e dopamina: uma conexão crescente
O estado nutricional influencia diretamente a função dopaminérgica por meio de diversos mecanismos:
- Eixo intestino-cérebro: Intervenções com probióticos e frutooligossacarídeos mostraram-se eficazes em alterar a composição da microbiota e regular o metabolismo de neurotransmissores, inclusive dopamina.
- Padrões alimentares: Dietas como a cetogênica, mediterrânea e a MIND (Mediterranean-DASH Intervention for Neurodegenerative Delay) apresentam efeitos neuroprotetores e anti-inflamatórios.
- Restrições alimentares específicas: Dietas hipolipídicas demonstraram reduzir a ligação de receptores dopaminérgicos e a atividade em áreas cerebrais relacionadas à recompensa, enquanto dietas hipercalóricas alteram a resposta motivacional e dopaminérgica ao alimento.
- Insulina cerebral: A resistência à insulina no cérebro prejudica a função dopaminérgica, contribuindo para alterações comportamentais e alimentares, além de estar associada à obesidade e comorbidades psiquiátricas.
Neuroinflamação e vias dopaminérgicas
A inflamação do sistema nervoso central é um fator-chave na fisiopatologia dos TT. Crianças cujas mães apresentaram doenças autoimunes ou inflamações durante a gestação possuem maior risco de desenvolver TT. Citocinas pró-inflamatórias como IL-1β, IL-6 e TNF-α afetam diretamente a sinalização dopaminérgica, exacerbando os sintomas.
Modelos animais também demonstraram que a ativação de vias inflamatórias como TLR/NF-κB e TLR/MAPK no corpo estriado agrava os comportamentos estereotipados típicos dos tiques.
Intervenções nutricionais como estratégia terapêutica
O artigo revisa evidências promissoras de intervenções nutricionais em doenças neurológicas, com possíveis implicações para o tratamento dos TT:
- Dieta Cetogênica (DC): Além de sua eficácia consolidada na epilepsia refratária, a DC mostrou propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras em estudos com esclerose múltipla, Parkinson e lesão medular.
- Dieta Mediterrânea e MIND: Ambas são ricas em antioxidantes e ácidos graxos poli-insaturados, oferecendo benefícios cardiovasculares e cognitivos. Estudos clínicos indicam melhora na função neurológica e redução do risco de declínio cognitivo.
- Gastrodina: Componente fitoterápico da medicina chinesa, demonstrou reduzir tiques em modelos animais por modular receptores D2 e transportadores de dopamina.
TT, metabolismo e inflamação sistêmica
Síndrome metabólica e obesidade influenciam os TT por meio de mecanismos inflamatórios e endocrinológicos:
- A presença de autoanticorpos contra receptores AT1 ativa o eixo renina–angiotensina e aumenta o estresse oxidativo.
- A hiperprolactinemia, ao inibir a dopamina fisiológica, favorece ganho de peso e resistência insulínica.
- O excesso de citocinas circulantes altera circuitos dopaminérgicos mesolímbicos e nigrostriatais, agravando sintomas.
Esses achados sugerem que o manejo metabólico e nutricional pode auxiliar no controle clínico dos TT, ao restaurar o equilíbrio neuroquímico e reduzir a neuroinflamação.
Perspectivas futuras
Há um potencial terapêutico significativo em integrar a nutrição ao tratamento dos TT, especialmente através de intervenções personalizadas que levem em consideração o estado inflamatório, perfil genético, composição da microbiota e metabolismo dopaminérgico.
O eixo microbiota–metabólito–cérebro, a metilação do DNA mediada por dieta e o papel do sistema de recompensa na regulação do comportamento alimentar representam frentes emergentes para pesquisa clínica e terapêutica.
A validação dessas abordagens, no entanto, requer ensaios clínicos randomizados de larga escala, com protocolos padronizados e acompanhamento de longo prazo.
Conclusão
O avanço na compreensão dos mecanismos que ligam nutrição, inflamação e dopamina oferece novas possibilidades para o tratamento dos transtornos de tiques. Embora ainda em fase exploratória, as evidências sugerem que abordagens alimentares direcionadas podem reduzir sintomas, melhorar a qualidade de vida e diminuir a necessidade de farmacoterapia com efeitos adversos relevantes. A integração de estratégias nutricionais e imunomoduladoras desponta como um caminho promissor e cada vez mais fundamentado pela ciência.
Fonte: https://doi.org/10.3389/fped.2025.1526117
