Fatores Dietéticos e Risco para Endometriose: uma análise de randomização mendeliana


A endometriose é uma condição crônica e complexa que afeta mulheres em idade reprodutiva, impactando saúde física, emocional e qualidade de vida. O interesse pela influência da alimentação na prevenção e manejo da endometriose tem crescido nos últimos anos, especialmente em relação a alimentos de origem animal, tradicionalmente vistos como possíveis fatores de risco. No entanto, as evidências disponíveis até agora eram predominantemente observacionais, sujeitas a distorções metodológicas.

O estudo "Dietary factors and risk for endometriosis: a Mendelian randomization analysis", publicado em 2025 por Zhang e colaboradores, representa um avanço ao aplicar a metodologia de randomização mendeliana (MR). Essa abordagem minimiza vieses comuns como confusão e causalidade reversa, utilizando variantes genéticas como instrumentos para inferir efeitos causais robustos, a partir de dados de ampla escala e alta qualidade.

Destaques:

Entre os principais achados do estudo, alguns resultados apontam para potenciais efeitos protetores ou neutros dos alimentos de origem animal sobre o risco de endometriose:

1. Carnes processadas: associação protetora inesperada

O dado mais surpreendente e positivo foi a associação estatisticamente significativa entre maior consumo de carnes processadas e redução do risco de endometriose (OR = 0,550; IC95%: 0,314–0,965; p = 0,037).

Embora contraditório frente à literatura observacional, que frequentemente associa carnes processadas a maior risco de doenças crônicas, este achado pode refletir:

  • Efeito real de subgrupos específicos de carnes processadas, que incluem variedades com métodos de preparo e composição nutricional potencialmente menos inflamatórios.
  • Impacto indireto no microbioma intestinal, pois a exposição a diferentes aditivos ou processos de cura pode modular bactérias que influenciam o metabolismo de estrogênios.
  • Fatores não medidos em estudos anteriores, como diferenças culturais e regionais no processamento de carnes e hábitos alimentares concomitantes.

Além disso, os testes de robustez realizados (ausência de heterogeneidade significativa e de pleiotropia horizontal) sugerem que o resultado é confiável e não se deve a distorções estatísticas no modelo aplicado.

2. Tendência favorável para peixes oleosos

Embora não estatisticamente significativa no limiar adotado (p = 0,076), foi observada uma tendência de redução do risco de endometriose associada ao consumo de peixes oleosos (OR = 0,658; IC95%: 0,415–1,045).

Essa direção do efeito está alinhada com o conhecimento atual sobre os benefícios dos ácidos graxos ômega-3 presentes em peixes como salmão e cavala, que possuem propriedades anti-inflamatórias reconhecidas, potencialmente importantes para a fisiopatologia da endometriose.

3. Ausência de associação prejudicial para outros alimentos de origem animal

Outro aspecto positivo do estudo foi a falta de evidência de associação prejudicial entre consumo de carne bovina, carne suína, cordeiro, aves e queijo com endometriose. Isso sugere que o consumo moderado desses alimentos não aumenta o risco da doença, de acordo com a melhor evidência causal disponível até o momento.

Implicações práticas

Embora o estudo reforce a importância de não simplificar as relações entre alimentação e endometriose, os resultados apresentam novas perspectivas positivas sobre o papel de alimentos de origem animal, destacando que:

  • Carnes processadas, quando consumidas em determinados contextos ou tipos específicos, podem não ter o impacto negativo presumido e até se associar a menor risco, ainda que essa relação precise ser mais bem investigada em estudos mecanísticos e interdisciplinares.
  • Peixes oleosos permanecem como possíveis aliados no manejo dietético da endometriose, dadas as evidências convergentes sobre seus efeitos anti-inflamatórios.
  • A ausência de associação significativa para carne bovina, suína, cordeiro, aves e queijo traz segurança para o consumo equilibrado desses alimentos, sem necessidade de restrição indiscriminada como medida preventiva.

Esses achados fornecem uma base científica mais sólida para que profissionais de saúde possam orientar suas pacientes de forma mais equilibrada e sem pressupostos infundados sobre os efeitos de alimentos de origem animal.

Limitações reconhecidas e futuro da pesquisa

Apesar desses pontos positivos, os autores destacam que os resultados precisam ser interpretados com cautela:

  • O estudo analisou exclusivamente populações europeias e os dados dietéticos basearam-se em autorrelatos, com potenciais imprecisões.
  • As associações observadas refletem tendências ao longo da vida e podem não se traduzir diretamente em efeitos de intervenções dietéticas de curto prazo.
  • O impacto de diferentes tipos e formas de preparo de carnes processadas não pôde ser discriminado.

Portanto, novas pesquisas devem investigar detalhadamente os mecanismos biológicos subjacentes, incluindo o papel do microbioma intestinal, epigenética e qualidade nutricional dos alimentos de origem animal.

Conclusão

O estudo de Zhang et al. revela resultados positivos e provocativos sobre a relação entre alimentos de origem animal e endometriose. Particularmente, destaca-se a associação protetora inesperada com carnes processadas e a tendência favorável para peixes oleosos, além da ausência de evidência de risco aumentado para carne bovina, carne suína, cordeiro, aves e queijo.

Essas informações contribuem para um olhar mais equilibrado e baseado em evidências na orientação dietética de mulheres com ou sem endometriose, reforçando que alimentos de origem animal, quando inseridos em padrões alimentares adequados, podem ser parte de uma estratégia segura e potencialmente benéfica.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s12986-025-00970-9

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