O estudo conduzido por Xiaolin Yu e colaboradores, publicado no periódico Annals of Medicine em 2025, traz novas evidências que desafiam a interpretação tradicional da relação entre colesterol LDL, apolipoproteína B (apoB) e mortalidade. Embora a redução de LDL-colesterol seja um dos pilares do manejo de dislipidemias, este trabalho mostra que, em determinados contextos, níveis baixos desses marcadores podem paradoxalmente associar-se a maior risco de morte.
Introdução
A relação entre dislipidemias e doenças cardiovasculares é bem estabelecida, sendo o LDL-colesterol um alvo central de intervenções terapêuticas. Diversos ensaios clínicos já demonstraram que a redução de LDL-colesterol diminui a mortalidade total e cardiovascular. Porém, estudos recentes levantaram dúvidas sobre a associação linear entre LDL-colesterol e mortalidade, sugerindo que valores muito baixos poderiam estar ligados a riscos adicionais como hemorragia intracerebral e câncer. A apolipoproteína B surge como um marcador mais preciso da carga aterogênica, refletindo o número total de partículas lipoproteicas aterogênicas na circulação.
Apesar da relevância clínica de ambos, até então não havia análise integrada que avaliasse simultaneamente LDL-colesterol e apoB em relação ao risco de mortalidade em populações gerais.
Métodos
Os autores analisaram dados de 15.380 participantes adultos dos ciclos 2005–2016 do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES). Foram coletadas informações demográficas, hábitos de vida, presença de comorbidades e uso de medicamentos hipolipemiantes. A mortalidade foi acompanhada por um período médio de 8,4 anos.
Foram avaliadas associações de LDL-colesterol e apoB com mortalidade por todas as causas, cardiovascular e cerebrovascular, por meio de modelos de riscos proporcionais de Cox ajustados para diversos fatores de confusão.
Resultados principais
Durante o acompanhamento, ocorreram 1.771 óbitos (8,8%), dos quais 443 foram atribuídos a causas cardiovasculares.
Entre os principais achados:
- LDL-colesterol < 70 mg/dL associou-se a maior risco de mortalidade por todas as causas (HR 1,66; IC95% 1,33–2,06) e cardiovascular (HR 1,65; IC95% 1,12–2,43), particularmente em pessoas com apoB < 90 mg/dL.
- Indivíduos com apoB < 90 mg/dL e LDL-colesterol < 70 mg/dL apresentaram risco quase duas vezes maior de mortalidade total e cardiovascular comparados a indivíduos com LDL-colesterol entre 100–129 mg/dL.
- Já em indivíduos com apoB ≥ 90 mg/dL, níveis baixos de LDL-colesterol não se associaram a aumento significativo de mortalidade.
Análises de dose-resposta mostraram uma relação não linear entre LDL-colesterol e mortalidade total, sugerindo que tanto valores muito baixos quanto altos podem estar relacionados a risco aumentado, mas com uma predominância do aumento de risco em valores baixos quando apoB também está reduzido.
Discussão
Este estudo sugere que níveis baixos de LDL-colesterol, quando acompanhados de apoB baixo, podem ser marcadores de fragilidade ou doença subjacente, e não necessariamente refletir um estado saudável. Hipóteses levantadas para explicar esse achado incluem:
- Risco aumentado de infecções, câncer ou hemorragias em pessoas com LDL-colesterol e apoB muito baixos.
- LDL-colesterol e apoB baixos como possíveis marcadores indiretos de inflamação crônica, desnutrição ou outras condições debilitantes.
A análise reforça que apoB é um melhor preditor do risco cardiovascular do que o LDL-colesterol isoladamente, especialmente em contextos de discordância entre esses marcadores, e que pacientes com apoB elevado mantêm risco cardiovascular mesmo quando LDL-colesterol está reduzido.
Limitações
Os autores reconhecem limitações importantes:
- Natureza observacional do estudo, não permitindo estabelecer causalidade.
- Medição única dos parâmetros lipídicos no início do estudo, sem controle de sua evolução ao longo do tempo.
- Possibilidade de confundimento residual não capturado nos ajustes estatísticos.
Conclusões
O trabalho conclui que níveis simultaneamente baixos de apoB e LDL-colesterol (< 100 mg/dL) estão associados a risco aumentado de mortalidade por todas as causas e cardiovascular, enquanto níveis baixos de LDL-colesterol isoladamente (com apoB ≥ 90 mg/dL) não se associaram a aumento de risco.
Este achado ressalta a importância de avaliar o perfil lipídico de forma integrada e contextualizada, considerando não apenas metas numéricas de LDL-colesterol, mas também a carga de partículas aterogênicas refletida pelo apoB.
Esses dados reforçam a necessidade de cautela na interpretação de níveis muito baixos de LDL-colesterol em populações gerais e apontam para uma abordagem mais personalizada no manejo lipídico, especialmente em indivíduos sem hipercolesterolemia familiar ou doença cardiovascular estabelecida.
