Intervenções Dietéticas Cetogênicas e Comida de Verdade no TOC: Uma Perspectiva Metabólica


O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) está entre as dez condições mais debilitantes do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), afetando significativamente a qualidade de vida de milhões de pessoas. Caracteriza-se por obsessões (pensamentos ou imagens intrusivas) e/ou compulsões (comportamentos repetitivos para neutralizar as obsessões), sendo frequentemente marcado por ansiedade intensa. Apesar das abordagens terapêuticas estabelecidas — como a Terapia Cognitivo-Comportamental com Prevenção de Resposta (TCC-PR) e o uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) — grande parte dos pacientes não obtém alívio satisfatório dos sintomas.

O Problema do “Vazio Terapêutico”

Mesmo diante de tratamentos bem definidos, menos de um terço dos pacientes com TOC apresentam resposta adequada à farmacoterapia. A taxa de recuperação com psicoterapia também é limitada, estimando-se em apenas 32%. Adicionalmente, o diagnóstico do TOC frequentemente sofre atrasos — em média 17 anos entre o início dos sintomas e o tratamento efetivo — agravado por estigma social e vergonha em relatar pensamentos considerados “ego-distônicos”. Tudo isso contribui para um cenário de enorme necessidade não atendida.

Um Novo Caminho: Psiquiatria Nutricional

A psiquiatria nutricional é um campo emergente que investiga como a alimentação pode afetar transtornos mentais. Até o momento, grande parte das pesquisas nessa área se concentra em depressão, ansiedade e transtornos do neurodesenvolvimento, deixando o TOC relativamente negligenciado. Este artigo propõe que intervenções dietéticas metabolicamente informadas — especialmente uma dieta cetogênica baseada em alimentos minimamente processados — podem ser uma alternativa terapêutica promissora.

TOC e Disfunção Metabólica: Evidências Crescentes

Estudos indicam que indivíduos com TOC apresentam risco aumentado de desenvolver Síndrome Metabólica (SM), resistência à insulina e diabetes tipo 2. Há uma relação bidirecional entre TOC e distúrbios metabólicos: pessoas com TOC têm até três vezes mais chances de desenvolver diabetes, e pacientes diabéticos frequentemente apresentam sintomas obsessivo-compulsivos. Além disso, maior severidade dos sintomas do TOC tem sido associada a níveis elevados de HbA1c (um marcador de controle glicêmico).

Inflamação e Eixo Intestino-Cérebro

A inflamação crônica de baixo grau, amplamente associada à resistência à insulina, também aparece como fator relevante no TOC. Estudos apontam níveis elevados de proteína C-reativa (PCR) em pacientes com TOC, e uma maior prevalência de doenças autoimunes como doença celíaca e síndrome de Sjögren entre esses indivíduos. Outro aspecto relevante é a integridade da barreira intestinal (gut barrier), frequentemente comprometida em casos de disbiose intestinal e “intestino permeável”. Essa condição favorece a entrada de toxinas e antígenos no organismo, alimentando processos inflamatórios e afetando a saúde cerebral por meio da ativação do eixo intestino-cérebro.

O Papel do Eixo HPA (Hipotálamo-Pituitária-Adrenal)

O estresse crônico ativa excessivamente o eixo HPA, levando a desequilíbrios hormonais — especialmente nos níveis de cortisol — com impactos diretos sobre o metabolismo da glicose, inflamação sistêmica e sensibilidade à insulina. Indivíduos com TOC frequentemente relatam eventos traumáticos ou estressantes antes do surgimento dos sintomas, e estudos demonstram alterações tanto em níveis agudos como crônicos de cortisol nesses pacientes.

Intervenções Propostas: Retirada de Alimentos Ultraprocessados

Alimentos ultraprocessados (AUP) estão fortemente associados a inflamação, disbiose, instabilidade glicêmica e disfunção do eixo HPA. Há evidências robustas de que o consumo desses alimentos eleva significativamente o risco de Síndrome Metabólica, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Além disso, os AUP comprometem a integridade da barreira intestinal, favorecendo inflamação sistêmica e neuroinflamação. A retirada desses alimentos é uma das principais recomendações dietéticas para restaurar a homeostase metabólica em indivíduos com TOC.

Dieta Cetogênica: Um Potencial Terapêutico

A dieta cetogênica (DC), caracterizada por alta ingestão de gorduras, consumo moderado de proteínas e baixo teor de carboidratos (< 50g/dia), promove a produção de corpos cetônicos como fonte primária de energia, em substituição à glicose. Estudos demonstram que a DC melhora significativamente a sensibilidade à insulina, regula os níveis de glicose, reduz marcadores inflamatórios e pode modular positivamente o eixo HPA.

Embora não existam ensaios clínicos prospectivos testando a DC em pacientes com TOC, relatos de caso são promissores. Um estudo recente (2025) documentou a remissão dos sintomas de TOC em três pacientes após aderência à DC em períodos de 2 semanas a 12 meses. Outro relato descreve remissão completa em uma paciente com TOC e doenças autoimunes após 12 semanas em uma dieta cetogênica baseada em comida de verdade. Apesar das limitações metodológicas desses relatos, eles sugerem que essa abordagem merece investigação clínica mais rigorosa.

Conclusão

Diante do alto índice de resistência terapêutica no TOC e da crescente evidência de envolvimento de fatores metabólicos na gênese do transtorno, a adoção de uma dieta cetogênica baseada em alimentos minimamente processados surge como uma alternativa plausível. Essa abordagem visa restaurar o equilíbrio glicêmico, melhorar a diversidade e integridade intestinal, modular o eixo HPA e reduzir a inflamação sistêmica — todos fatores implicados na fisiopatologia do TOC. Para aplicação prática, os autores sugerem uma intervenção inicial de 8 semanas com uma dieta rica em carnes, ovos, gorduras naturais, vegetais com baixo teor de carboidratos, frutas com baixo índice glicêmico e alimentos fermentados.

Contudo, são necessários ensaios clínicos controlados para testar sua eficácia e viabilidade, levando em conta desafios como adesão, controle dietético e variabilidade individual. A integração da psiquiatria nutricional ao manejo do TOC representa uma fronteira promissora e ainda pouco explorada na saúde mental.

Fonte: https://doi.org/10.1007/s40501-025-00361-0

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