Ao observar os corredores dos supermercados e farmácias, é fácil notar a presença crescente de papinhas industrializadas, snacks infantis e sachês coloridos com promessas atrativas de nutrição e praticidade. Mas o que dizem as evidências sobre a qualidade nutricional desses alimentos e os motivos que levam pais e cuidadores a escolhê-los?
Um estudo publicado em 2025 na revista Maternal & Child Nutrition, conduzido por pesquisadores da Universidade de Glasgow e do First Steps Nutrition Trust, revisou 31 estudos realizados entre 2019 e 2024 em países como Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e diversos países europeus, buscando consolidar o que se sabe sobre três aspectos fundamentais dos alimentos comerciais para bebês (CBFs): composição nutricional, estratégias de marketing e motivações dos cuidadores para seu uso.
1. Qualidade nutricional: excesso de açúcar e carência de variedade
A análise dos estudos mostrou que os CBFs são predominantemente compostos por purês (56% dos produtos) e snacks (18%). O principal problema identificado foi o teor de açúcar:
- Purês tinham mediana de 10,4g de açúcar por 100g.
- Snacks alcançavam 20,3g por 100g.
- Cereais infantis continham 14,7g por 100g.
Quase metade de todos os produtos analisados continha açúcares adicionados ou livres, número que subia para 62% entre os snacks. Muitos desses produtos, inclusive os salgados, continham suco de frutas, xaropes ou vegetais doces, o que reforçava um perfil gustativo doce desde os primeiros meses de vida — algo associado a preferências alimentares duradouras por alimentos açucarados.
Além disso, a maioria dos produtos carecia de variedade textural e favorecia alimentos com textura lisa, o que pode prejudicar o desenvolvimento da mastigação e a aceitação de alimentos com texturas e sabores mais complexos. Poucos produtos apresentavam vegetais amargos ou folhas verdes escuras, o que limita a exposição a sabores essenciais para o aprendizado alimentar infantil.
2. Marketing: alegações enganosas e apelo emocional
O estudo também investigou como o marketing influencia as escolhas parentais. Mais de 60% dos produtos traziam alegações como “sem adição de açúcar”, “rico em vitaminas” ou “fortalece o sistema imunológico”. No entanto, muitas dessas alegações não correspondiam ao conteúdo real dos produtos. Por exemplo:
- Um estudo português mostrou que quase 70% dos produtos continham a alegação “sem adição de açúcar”, apesar de mais de 60% não atenderem aos critérios nutricionais da OMS.
- No Reino Unido, mais de 1000 palavras-chave emocionais foram identificadas em embalagens, com expressões como “felicidade”, “amor” ou “segurança” visando tocar a sensibilidade dos pais.
Tais estratégias exploram o medo e a insegurança dos cuidadores, muitas vezes reforçando a ideia de que o produto industrializado é mais seguro, nutritivo e adequado do que o alimento preparado em casa.
3. Motivações dos pais: conveniência, segurança e confiança na marca
A decisão de usar alimentos prontos vai além da simples praticidade. As pesquisas mostraram que os principais motivos citados pelos cuidadores foram:
- Tempo e conveniência (95% dos entrevistados em um estudo britânico).
- Percepção de segurança alimentar.
- Aceitação pelos bebês.
- Falta de confiança na própria capacidade de preparar alimentos adequados.
Pais também relataram confiar em certas marcas, muitas vezes por acreditarem que são mais saudáveis ou adequadas para o desenvolvimento dos filhos. Isso é reforçado pelas alegações de marketing já citadas, criando um ciclo de dependência dessas opções prontas.
4. Orientações oficiais e lacunas nas políticas públicas
As diretrizes da OMS e do Reino Unido recomendam iniciar a alimentação complementar por volta dos 6 meses com alimentos caseiros, ricos em variedade, especialmente vegetais amargos e proteínas. Também orientam evitar açúcar, sal e alimentos ultraprocessados.
Contudo, o Serviço Nacional de Saúde (NHS) britânico não apresenta orientações claras sobre o uso de alimentos comerciais para bebês. Essa omissão, segundo os autores da revisão, contribui para a desinformação e perpetuação do consumo inadequado de CBFs.
Ainda que a OMS tenha criado um modelo de perfil nutricional e promocional (NPPM) para guiar a produção e comercialização desses produtos, estudos mostraram que a maioria dos CBFs analisados não cumpre esses critérios. No Reino Unido, por exemplo, apenas 45% dos produtos avaliados atenderam às exigências do NPPM.
5. Conclusões e recomendações
A revisão conclui que, apesar das recomendações estabelecidas desde 2019 por órgãos como o Public Health England, pouca evolução foi observada. Os mesmos problemas persistem:
- Elevado teor de açúcares livres.
- Pouca diversidade de texturas e sabores.
- Marketing que engana ou explora emoções dos cuidadores.
- Ausência de regulação eficaz e de orientação governamental clara.
As recomendações do estudo são diretas:
- Estabelecer regulamentações obrigatórias e não apenas voluntárias para a composição e marketing de CBFs.
- Criar um sistema de monitoramento independente para garantir o cumprimento dessas normas.
- Atualizar as diretrizes públicas de alimentação infantil, especialmente as do NHS, para incluir orientações específicas sobre o uso (ou limitação) de alimentos comerciais para bebês.
Implicações para os pais e cuidadores
Esta revisão reforça que, sempre que possível, a alimentação do bebê deve priorizar alimentos preparados em casa, com ingredientes naturais, variados e adequados à sua idade. O uso de alimentos prontos não é proibido, mas deve ser criterioso, especialmente nos primeiros dois anos de vida, período crítico para o estabelecimento de hábitos alimentares e para o desenvolvimento físico e neurológico da criança.
O conhecimento é uma ferramenta poderosa. Com acesso a informações confiáveis, os pais podem fazer escolhas mais conscientes e alinhadas com a saúde de seus filhos — livres de ilusões geradas por embalagens chamativas ou promessas vazias.
