Proteínas de origem animal e vegetal são equivalentes?


Quando se discute mudar o padrão alimentar por razões de saúde ou ética, surge uma pergunta decisiva: a proteína vegetal “entrega” o mesmo que a proteína animal para manutenção e ganho de massa muscular? A resposta depende de duas peças centrais de evidência: a qualidade proteica (medida pela digestibilidade e disponibilidade de aminoácidos essenciais) e o efeito pós-refeição desses aminoácidos no organismo. Desde 2013, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) recomenda avaliar qualidade proteica pelo método DIAAS, que observa a digestibilidade de cada aminoácido no final do intestino delgado, e não apenas no total fecal, oferecendo um retrato mais fiel do que é de fato absorvido. Veja o relatório técnico da FAO aqui: “Dietary protein quality evaluation in human nutrition”.

DIAAS: o que é e como interpretar

O DIAAS (Digestible Indispensable Amino Acid Score) estima quão bem um alimento supre aminoácidos essenciais (AAE) após a digestão ileal. Em resumo: valores ≥100 indicam proteína de alta qualidade; 75–99 sugerem qualidade boa; <75 não permitem alegação de “proteína de qualidade” segundo a síntese técnica da área. Para um panorama didático das recomendações e implicações regulatórias, ver a análise de Leser et al.: The 2013 FAO report on dietary protein quality. (Wiley Online Library)

De modo geral, carnes e ovos costumam apresentar DIAAS ≥100, enquanto leguminosas e cereais ficam frequentemente abaixo de 100, com ampla variação por alimento e processamento. A mensagem prática é que as proteínas não são “iguais” em qualidade; sua origem e o perfil/digestibilidade de AAE importam.

Evidência mais recente em humanos: equivalentes de onça (oz-eq) não são equivalentes biológicos

As Diretrizes Alimentares para Americanos (DGA) organizam o grupo “Alimentos Proteicos” em “equivalentes de onça” (oz-eq) para fins de orientação populacional (por exemplo: 28 g de carne, 1 ovo, ¼ de xícara de feijões, ½ onça de nozes). Essa equivalência é prática, mas não garante a mesma quantidade nem a mesma biodisponibilidade de AAE. Consulte a explicação oficial do MyPlate: Protein Foods Group – What counts as an ounce-equivalent?. (Meu Prato)

Dois ensaios randomizados, cruzados, com jovens e idosos, testaram exatamente essa questão em contexto de refeição mista: compararam duas porções “oz-eq” de proteína animal (lombo suíno magro ou ovos inteiros) versus proteína vegetal (feijão-preto ou amêndoas) e mediram a biodisponibilidade pós-prandial de AAE no sangue. O resultado foi consistente: as refeições com carne suína ou ovos geraram maior disponibilidade de AAE do que as com feijão-preto ou amêndoas, em ambos os grupos etários; além disso, a carne suína superou os ovos. Conclusão dos autores: tratar fontes proteicas como “equivalentes” apenas por oz-eq é inadequado quando o desfecho é anabolismo proteico. Leia o estudo em acesso aberto: Nutrients, 2023. (MDPI)

Leucina: o gatilho do anabolismo muscular

Entre os AAE, a leucina atua como sinal para iniciar a síntese proteica muscular via mTOR. Em adultos mais velhos — público com maior risco de perda de massa — diretrizes e revisões indicam alvos práticos de ~2,5–3,0 g de leucina por refeição principal, em geral alcançados com ~25–30 g de proteína de alta qualidade, sobretudo quando combinados com exercício contra a resistência. Síntese detalhada em revisão recente: Frontiers in Nutrition, 2021. (Frontiers)

O que isso significa para alimentos vegetais comuns?

Muitas leguminosas têm menor teor de leucina por porção habitual e, além disso, apresentam AAE limitantes (como metionina+cisteína), o que afeta o escore de qualidade. Usando dados de composição alimentar baseados no USDA:

  • ½ xícara de lentilhas cozidas fornece aproximadamente 0,65 g de leucina (≈1,30 g por xícara).
  • ½ xícara de grão-de-bico cozido fornece aproximadamente 0,52 g de leucina (≈1,04 g por xícara).

Esses valores ilustram por que, para atingir ~2,5–3,0 g de leucina, seriam necessárias múltiplas porções na mesma refeição quando a base é apenas leguminosa; já fontes animais concentram mais leucina por porção. Ver os perfis de aminoácidos em bases de dados com respaldo do USDA: lentilhas e grão-de-bico, além do sumário de leucina do NAL/USDA: Leucine (g). (My Food Data)

Como as diretrizes organizam “porções” não deve ser confundido com “qualidade”

A lógica de “oz-eq” facilita planejamento alimentar, mas não implica igualdade de:

  1. quantidade de proteína por porção,
  2. perfil e digestibilidade de AAE,
  3. biodisponibilidade pós-refeição relevante para síntese muscular.

A própria comparação experimental mostrou maior área sob a curva de AAE com carne suína e ovos do que com feijão-preto e amêndoas, mantendo o restante da refeição padronizado. Isso reforça que orientações de porção não substituem métricas de qualidade como o DIAAS. Ver: Nutrients, 2023; FAO, 2013; e MyPlate/USDA. (MDPI)

Implicações práticas

  • Adultos ativos e idosos: priorizar fontes com maior DIAAS e maior densidade de leucina por porção tende a facilitar atingir o limiar anabólico por refeição, especialmente quando associado a treinamento resistido. Síntese de meta de leucina: Frontiers in Nutrition, 2021. (Frontiers)
  • Padrões vegetarianos/veganos: é possível melhorar a qualidade combinando proteínas vegetais complementares e, quando necessário, escolhendo ingredientes com melhores escores (ex.: isolados de soja ou ervilha com DIAAS reportados na faixa 75–100, a depender do produto/processo). Adoção ampla do DIAAS em rótulos ainda depende de tramitação regulatória; até lá, o uso de dados acadêmicos auxilia escolhas informadas. Ver Leser, 2013 e o relatório FAO, 2013. (Wiley Online Library)

Limitações e escopo da evidência

O ensaio acima avaliou refeições agudas e não mudanças de massa magra ao longo de meses. Ainda assim, por medir a biodisponibilidade pós-prandial de AAE, conecta-se a mecanismos proximais do anabolismo muscular e complementa a abordagem de qualidade via DIAAS. Estudos de longo prazo são úteis para confirmar desfechos clínicos (força, massa magra), mas o conjunto FAO+DIAAS e o ensaio cruzado recente oferecem base sólida para afirmar que proteínas animais e vegetais não são equivalentes quando o critério é quantidade e biodisponibilidade de AAE por porção alimentar. Ver Nutrients, 2023 e FAO, 2013. (MDPI)

Conclusão

Na prática, “equivalentes de onça” não significam equivalência biológica. Para manter ou ganhar massa — especialmente na maturidade — é prudente conferir qualidade (DIAAS) e biodisponibilidade de AAE das fontes proteicas e buscar atingir o limiar de leucina por refeição, associado a treinamento resistido. Quem optar por um padrão mais vegetal pode mitigar limitações escolhendo proteínas com melhor escore e combinando fontes, sempre com base em dados de composição e estudos clínicos. Evidências de referência: ensaio cruzado em jovens e idosos, relatório técnico FAO (DIAAS), estrutura de porções (MyPlate/USDA) e metas de leucina para idosos. (MDPI)

Fonte: https://www.bbdnutrition.com/2025/11/02/is-animal-based-and-plant-based-protein-equivalent/

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: