O que as pessoas não entendem sobre TDAH — e o que fazer a respeito


Este artigo apresenta o que hoje se sabe sobre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): como reconhecer, diagnosticar e tratar, além de esclarecer equívocos comuns. As referências incluem diretrizes clínicas e revisões sistemáticas de alta qualidade (NICE, AAP, OMS/NIMH/CDC e Cochrane). Onde houver incerteza, isso é sinalizado explicitamente.

O ponto de partida é simples: TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento com sintomas persistentes de desatenção e/ou hiperatividade–impulsividade que causam prejuízo funcional em mais de um contexto (por exemplo, escola/trabalho e casa). A prevalência é relevante e o transtorno costuma persistir, em graus variáveis, ao longo da vida.

O que as diretrizes atuais realmente recomendam

  • Reconhecimento e diagnóstico: Diretrizes atualizadas sintetizam passos padronizados: anamnese clínica estruturada, uso de escalas padronizadas, confirmação de início dos sintomas na infância, avaliação de prejuízo funcional em múltiplos ambientes e exclusão/identificação de comorbidades. O NICE (Reino Unido) e a AAP (EUA) são referências amplamente adotadas e revisadas periodicamente. NICE NG87; AAP 2019.
  • Tratamento de primeira linha: As diretrizes recomendam intervenções psicossociais/terapias comportamentais e medicação (psicoestimulantes e alternativas não estimulantes) conforme idade, gravidade e preferências, sempre com monitoramento de eficácia e eventos adversos. NICE; CDC/AAP – recomendações a profissionais; OMS – mhGAP.

Equívocos comuns — e o que dizem as evidências

  1. TDAH é só falta de disciplina.” A literatura caracteriza o TDAH como condição neurodesenvolvimental com base biológica e padrões clínicos reprodutíveis. O diagnóstico exige prejuízo funcional e critérios formais, não juízo moral. NIMH; CDC.
  2. “Toda criança agitada tem TDAH.” O diagnóstico diferencial é amplo (transtornos de aprendizagem, ansiedade, problemas de sono, adversidades psicossociais, entre outros). As diretrizes exigem avaliação clínica cuidadosa e evidência de persistência, início precoce e prejuízo em múltiplos contextos. NICE NG87; AAP 2019.
  3. “Medicação é sempre obrigatória.” Não é. A escolha terapêutica deve ser individualizada; terapias comportamentais e ajustes ambientais podem ser prioritários, especialmente em crianças pequenas, enquanto a farmacoterapia é indicada quando o prejuízo persiste apesar de intervenções ambientais e/ou quando a gravidade justifica. NICE; OMS – mhGAP.
  4. “Mudanças de dieta curam TDAH.” Evidências nutricionais são heterogêneas. As diretrizes não recomendam suplementação de ácidos graxos como tratamento de rotina e alertam que dietas de exclusão (“few-foods”) têm evidências limitadas e, quando tentadas, devem ser supervisionadas por nutricionista devido a riscos nutricionais. NICE – Seção 1.6.

O que dizem as melhores revisões sobre alimentação e suplementos

  • Ômega-3 (DHA/EPA) Revisões e meta-análises mostram efeitos pequenos ou inconsistentes nos sintomas centrais do TDAH; por isso, não há recomendação para uso de rotina. Cochrane 2023; J Clin Psychiatry 2023.
  • Dietas de eliminação (“few-foods”, oligoantigênica) Podem reduzir sintomas em subgrupos, sobretudo no curto prazo, mas a qualidade metodológica e a replicabilidade são limitadas; devem ser tentadas apenas com acompanhamento especializado para evitar deficiências. NICE; Revisão 2023 (Lange et al.); estudos TRACE/ACAMH 2024–2025 em curso com resultados ainda preliminares. ACAMH 2025. 
  • Micronutrientes (ferro, zinco, magnésio, vitamina D) e probióticos. A revisão de 2023 conclui que não há base para recomendações gerais de micronutrientes ou probióticos no manejo do TDAH, exceto na correção de deficiência documentada (por exemplo, ferritina baixa). Revisão 2023.
  • Síntese prática: até o momento, não existe intervenção dietética que substitua, por evidência robusta, as abordagens de primeira linha. Estratégias nutricionais podem ser adjuntas e individualizadas, com monitoramento clínico e nutricional adequado. NICE. 

Fatores clínicos e ambientais que impactam sintomas

  • Sono e ritmo de vida. Higiene do sono, tratamento de distúrbios do sono e organização de rotinas reduzem variabilidade atencional e impulsividade. Diretrizes incluem ajustes ambientais e intervenções comportamentais como componentes centrais do cuidado. NICE.
  • Apoio psicossocial e escolar/ocupacional. Intervenções comportamentais, treinamento parental, acomodações acadêmicas e manejo de comorbidades (ansiedade, dificuldades de aprendizagem) são pilares do tratamento multimodal. AAP 2019.
  • Atividade física. A atividade física regular traz benefícios gerais (função executiva, humor, sono), mas ainda não substitui terapias-padrão do TDAH. As diretrizes a incluem como componente de estilo de vida saudável, não como tratamento único. NICE.

O que fazer na prática — um roteiro objetivo

  • Avaliação adequada. Procurar profissional com experiência em TDAH. Confirmar critérios diagnósticos formais, idade de início, prejuízo funcional em mais de um contexto e comorbidades. Utilizar escalas padronizadas quando apropriado. NICE; CDC/AAP.
  • Plano terapêutico individualizado. Combinar intervenções comportamentais, ajustes ambientais e, quando indicado, farmacoterapia. Estabelecer metas funcionais claras e monitoráveis (por exemplo, desempenho acadêmico/produtividade, convivência familiar, segurança no trânsito). AAP 2019.
  • Estilo de vida e nutrição com senso crítico
    • Priorizar padrões alimentares completos e nutricionalmente adequados, evitar decisões restritivas sem acompanhamento.
    • Considerar ensaios de eliminação apenas em casos selecionados, por tempo limitado e com nutricionista.
    • Não prescrever ômega-3 ou combinações de micronutrientes como tratamento de rotina; corrigir deficiências documentadas. NICE; Cochrane 2023; Revisão 2023.
  • Educação e acompanhamento contínuos. Revisar regularmente resposta ao tratamento, adesão, eventos adversos e metas funcionais. Fornecer educação baseada em evidências para pacientes e familiares. CDC; NIMH.

Por que há tanta confusão?

A confusão decorre de três fontes principais:

  • Popularização de hipóteses mecanísticas ainda não comprovadas clinicamente. Mesmo quando mecanismos parecem plausíveis (por exemplo, metabolismo energético cerebral), a prática clínica exige ensaios controlados que demonstrem benefício consistente, magnitude de efeito clínica e segurança. Diretrizes mantêm prudência até que a evidência seja suficiente. NICE.
  • Heterogeneidade do TDAH. Há subgrupos e comorbidades que modulam resposta terapêutica; por isso, resultados positivos em casos individuais não se traduzem automaticamente em recomendações universais. Sínteses de múltiplas diretrizes internacionais reforçam princípios comuns e evitam extrapolações. Síntese de diretrizes, 2025.
  • Divulgação midiática de estudos preliminares. Achados iniciais muitas vezes carecem de replicação e de avaliação de longo prazo. Por isso, revisões sistemáticas (Cochrane) e diretrizes (NICE/AAP) têm maior peso na tomada de decisão. Cochrane 2023; NICE.

Panorama epidemiológico recente

Dados populacionais mostram alta carga de TDAH e desafios de acesso a tratamento, inclusive em adultos, com impacto em educação, trabalho e relações sociais. Estimativas recentes reforçam crescimento de diagnósticos e dificuldades de acesso a medicamentos em alguns cenários. CDC – dados 2022/2024.

Conclusão

O TDAH requer avaliação clínica criteriosa e tratamento multimodal sustentado por evidência: intervenções comportamentais/psicossociais, ajustes ambientais e, quando indicado, farmacoterapia. Estratégias nutricionais e de estilo de vida podem ser coadjuvantes em casos selecionados, desde que supervisionadas e alinhadas às diretrizes — não substitutos das abordagens de primeira linha. Ao separar o que é promissor do que já é comprovado, profissionais e famílias ganham clareza para decidir com segurança e realismo.

Leituras e diretrizes citadas no texto (seleção):

Fonte: https://nutrition-network.org/what-people-dont-understand-about-adhd-and-what-to-do-about-it/

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